terça-feira, 2 de junho de 2009

A crônica que escrevo devedora da própria emoção‏



Saí de Paris na manhã ensolarada de um domingo primaveril depois de viver dias de sonhos realizados, entre amigas e com a companhia de um amor brasileiro que vive na França, desde 68.
Histórias pessoais que se confundem com os tempos modernos da nossa geração, e ali estava eu a descontar décadas de imaginação de como seria nosso encontro um dia. Foi tudo perfeito, sim, porque estar em Paris já, por si só, torna a vida perfeitamente vivível e supostamente conclusiva. Passear por suas ruas, estar à beira do Sena, contemplar a torre Eifel, observar seus barcos singrando levemente nas águas das tardes longas e ver seu por do sol pelas dez da noite, tudo compoe
um quadro entrecortado de doces expectativas. Se entro na catedral de Notre Daime e o órgão dispara a tocar canção solene, elevo-me ao encontro do Deus universalmente poderoso e peço pela paz dos seres humanos, agradeço tantos bens e tantos amores, solicito um tempo para os que ainda esperam encontrar seus pares verdadeiros. Aceito as intemperies e me perdoo por ser ainda tão inconsistente e egoísta tantas vezes. Mas, me refaço enquanto busco o olhar de alguém que virá me ver no penultimo dia. Virá de longe, trará a mensagem do coração, e a humildade da doação.
Mas, tudo que for possível viver e trocar, nossas andanças pela Sorboni, o Quartier Latin, o jantar arrastado entre vinhos e purês, cada gesto de reconhecimento será definitivamente marcado pela surpresa de estarmos tão felizes como dois jovens da geração 70, lembrando que naquelas ruas o pau comeu e o mundo mudou.
Juntos, de mãos dadas, vamos recordar uma Paris onde só estive antes em pensamento e que o viu menino, um guri de 16 anos, imigrante brasileiro, disposto da viver ali e se tornar um cidadão franco-brasileiro.
Pois o tempo parou para nos proporcionar a rodagem de um filme, cujos protagonistas fomos nós dois. Os cinquentões sonhadores de outrora, e os jovens de hoje, esses jovens de cabelos embranquecidos nos quais nos tornamos para sentir a Paris que nos recebeu com festa, saudações e paixões ressuscitadas.
Imaginem o que foi desperdir-se de tudo isso, depois dos 20 dias maravilhosos na Europa, encerrados na capital do Amor?
Só ouvi a ressonância de uma frase repercutida no coração que falava do amor, e da saudade eterna.
Entao, depois de um voo Paris, Madri, Rio, de quase 12 horas, com muita turbulencia, cheguei ao Rio e avistei o aviao da Air France que decolaria naquela noite de domingo rumo à cidade de onde eu acabava de chegar repleta de boas lembranças.
Acordei na segunda-feira sob o impacto da notícia trágica do desaparecimento da aeronave. Passei um dia dificil, angustiada, triste, lamentosa, e fui até a igreja rezar pelas vítimas do acidente e seus familiares e amigos.
Dentro de mim, uma Paris que sobrevive repleta de felicidades, mas, na fatalidade ocorrida na mesma rota, meu sentimento de impotência, dor e perplexidade pelos sonhos desfeitos ou não realizados dos que viajaram para os céus do desconhecido.
Apenas um ponto de mutação me consola, sonhos voam além do espaço e do tempo, e as almas são capazes de empreender feitos etéreos, desafiando prognósticos infelizes, por isso, creio que muitas delas passeiam por Paris, a despeito da dimensão humana, e agora, ali comemoram invisíveis, seus sonhos de amor e suas alegrias de ultrapassar a limitada vida.

Cida Torneros

Um comentário: