Maracanã

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domingo, 12 de abril de 2009

Tia Cecília e o domingo de Páscoa


Acordo às 10 horas de um domingo de Páscoa, com um telefonema da mamãe. Avisa que tia Cecília chegou para uma visita. As duas irmãs, de temperamentos tão diferentes, mas sempre unidas, vão passar juntas esse dia,e aviso que vou na hora do almoço, comer com elas. Tia Cecília está com 81, é um ano mais nova que minha mãe, e mora longe, na zona quase rural do Rio de Janeiro. Sua filha Denise a acompanha sempre, com desvelo e paciência. Mas como não ter paciência com ela? Sempre foi aquela criaturinha mais alegre que conheci na minha vida de menina sapeca. Sorridente e de bem com a vida. Com muitos filhos e alguns casamentos, era a "prafrentex" da família do lado materno. Não se importou nunca com os olhares censuradores que lhe imputavam, e saiu por aí, gingando, quando menina, nos ensaios de carnaval, o que fazia meu avô Ataliba acordar nas madrugadas e procurá-la na cama, onde, evidentemente, não estava. E minha mãe saía correndo, ao pressentir a surra que a jovenzinha, nos anos 40 ia tomar, depois de sambar à vontade, fugida de casa. Mas, elas gostam de relembrar a ousadia da Cecília, esta, sacudindo-se no embalo dos batuques no subúrbio de Ramos, respondia à irmã aflita que não tinha problema se ganhasse o castigo, pois já tinha aproveitado muito e pulava mais um pouquinho enquanto a mana Norma, do tipo certinho e não infrigidor de regras, a puxava pelo braço, esperando que o pai delas tivesse adormecido de novo.
Cecília era desafiante, honesta com seus valores e como não quis estudar, foi se casando e descasando, e lhe sobrou um emprego honesto e duro. Foi trabalhar em casa de família, cozinhar, o que sabia fazer muito bem. Só numa das casas em que trabalhou, ficou mais de 20 anos. Criou os filhos da família, aposentou-se e é querida de todos que até hoje lhe seguem os passos e protegem.
É comum que quando nos encontremos ela me conte do pagode que ainda frequenta, pertinho de casa, para ouvir uma boa música de roda, tomar uma cervejinha com moderação e sorrir o sorriso mais plácido que uma tia pode sorrir, ao oferecer sua alegria de viver. Quando minha mãe ficou doente, no ano passado, ela sempre me ligava e dizia: - Faz ela comer e tomar os remédios, ela vai ficar boa, tenho fé! Sim, tia Cecília tem a fé dos que aceitam as agruras da vida e nem reclamam de nada, ela vive cercada de filhos, netos e bisnetos, modestamente instalada na casa de uma das minhas primas. Ao perder meu pai, ofereci-lhe o aparelho de dvd que ele tinha e usava muito para assistir seus filmes de Chaplin, entre outros. Ela ficou como uma menina, de tão feliz, mas disse que só havia um aparelho de televisão na casa e que o genro o monopolizava com partidas de futebol. Então, achamos que devíamos lhe dar também um receptor de tevê e ela fez a festa completa, nos contando, depois, que com uma televisão no seu quarto, podia assistir "a noviça rebelde" quantas vezes quisesse e ver todas as novelas que gosta de acompanhar.
Simples, humana, capaz de me dar bronca se eu atrasar para chegar na hora do almoço, tão risonha e carinhosa, de olhar profundamente solidário, é aquela que abraça e beija, diferente da minha mãe, contida sem muitos afagos, tia Cecília oferta carinhos e palavras doces. Ela traz com ela o sabor do melhor chocolate, aquele em que o amor derrete nosso coração, com lembranças do seu colo na infância, das suas gargalhadas, histórias de vida, exemplos se vida e superação, nem um lamento, nenhuma reclamação, só mesmo doçura, Tia Cecília, que vou ver na hora do almoço, na casa da mamãe, é o meu melhor presente de Páscoa!
Aparecida Torneros

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