Maracanã

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sexta-feira, 10 de abril de 2009

A grande metáfora - Leonardo Boff



A grande metáfora
> Leonardo Boff
>
> Para os cristãos a Semana Santa é a grande semana em que se celebra a
> vida, a morte e a ressurreição de Jesus. Esses três fatos são momentos
> de um único processo, chamado de ''mistério pascal'', mistério da
> passagem (páscoa na linguagem bíblica) da vida para a morte e da morte
> para a ressurreição.
>
> Ou então da passagem do cativeiro egípcio para a libertação do povo no
> deserto e para a conquista da terra da promissão.
>
> Hegel quando jovem estudante de teologia em Tübingen (foi primeiramente
> teólogo bem como Heidegger) em seu Stift (seminário) teve durante a
> sexta-feira santa uma iluminação que modificou toda sua vida e que está
> na raiz de sua filosofia. Chama a esta sexta-feira de ''sexta-feira
> santa teórica''. Viu a unidade do processo da natureza e da história que
> passa pela vida, pela morte e pela transfiguração bem como no mistério
> pascal cristão. Chamou a isso de dialética.
>
> Se bem repararmos, a semana santa, para além de seu caráter religioso,
> representa uma grande metáfora. Tudo no universo, nos processos
> biológicos, humanos e biográficos se estrutura na forma da dialética. O
> primeiro momento é a tranqüila serenidade e paz infinita daquele
> pontozinho quase infinito de onde viemos. De repente, sem sabermos por
> quê, ele explode. Produz um incomensurável caos. A evolução do universo
> significa um processo de criar ordem no caos. Cada ser vivo nasce, se
> desenvolve, morre e se transfigura no Todo. As sociedades passam por
> crises. As estrelas-guia já não respondem aos novos desafios. Produz-se
> um processo de dissolução.
>
> Quando se define outra forma de organização social emerge uma nova ordem
> com um outro sentido de ser. O ser humano vive seu arranjo existencial
> sereno e tranqüilo. Eis que irrompe a crise e tudo se abala.
> Purifica-se, madura e cria outra ordem vital. Esta por sua vez,
> lentamente, também se desestabiliza e somente volta à serenidade quando
> elabora outro sentido de vida ou passa para uma outra dimensão
> além-morte. Em todo esse processo dialético há a experiência de vida, de
> morte e de transfiguração; de ordem, desordem e nova ordem; de tese,
> antítese e síntese. A complexidade segundo Edgar Morin se estrutura
> nesta dialética.
>
> Nesta visão dialética a pessoa não foi criada para conhecer um fim na
> morte mas para se transfigurar através da morte. Passa, como diriam os
> alquimistas medievais, por um processo alquímico e entra numa ordem mais
> alta. Os cristãos chamam a isso de ressurreição. Ela não significa a
> reanimação de um cadáver mas a transfiguração completa do ser humano em
> comunhão com o Ser. É a dialética da semente: ''se o grão de trigo,
> caindo na terra não morrer, ficará só, mas se morrer, produzirá muito
> fruto'', como disse o Mestre.
>
> Hoje a natureza e a humanidade vivem sob pesada sexta-feira santa
> ameaçadora. Há devastação e sofrimento em demasia. A via-sacra tem
> estações sem fim. A nossa esperança é que este padecimento se ordene a
> uma radiante transformação, a um novo paradigma de convivência onde não
> seja tão difícil tratarmos os seres da natureza com compaixão e nossos
> próximos com humanidade e com cuidado.
>
> Depois que Cristo ressuscitou após um fragoroso fracasso pessoal não
> temos mais direito de ficar tristes e de perdermos a esperança.

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