quinta-feira, 12 de março de 2009

Amor desidealizado

Amor desidealizado

Façamos um trato,
nada de amor idealizado,
este é o novo fato,
amor é só um ato
de uma grande peça
cuja estréia é imprevisível
cujo enredo é questionável,
e o ápice tem interrogações à bessa...
Façamos assim, com respeito,
pelo jeito de cada um de nós,
pelas histórias incompletas,
pelos desejos não realizados,
por cada senão que precede as metas,
porque amar com muito planejamento
pode parecer piegas, é só argumento...
Nada de esperar o óbvio ou antever o amanhã,
por mais que possa parecer que haverá,
depois não me importa, na verdade,
o que conta, realmente, é o momento...
O meu momento é de paz,
o seu, se não for de tormento,
pode até combinar com o meu...
Façamos amor como meninos aprendizes,
saboreemos o gosto dos nossos dedos,
não deixemos que se acelerem alguns dos nossos medos,
apenas soltemos tantos grilhões tão antigos,
não esperemos nem príncipes e nem cinderelas,
somos mulher e homem complicados
descompliquemos, pois,
fiquemos só nós dois,
em pelo,
com zelo,
tão nus quanto no nascimento
nus de alma,
nus de preconceitos
nus de expectativas...
Se nada acontecer que nos acrescente sentimentos
caso não nos permitamos abrir nossos descondicionamentos
pelo menos
teremos tentado
e tentar
já é um grande começo
isso não tem preço
amar sem idealizar
somente amar
ou por sexo
ou por nexo
de sentir-se
bem
bem melhor
bem com a presença do outro
bem porque sua risada soa felicidade
bem poquer seu olhar aquece em lealdade
e seu abraço rejuvenesce
pode não ser pra sempre
mas é tão bom
hoje e agora, aqui na nossa pele...
Façamos um acordo sem papel
um pacto sem sangue
tenhamos um descompromissado encontro
com o melhor de nós mesmos
para trocar boa energia
por sermos quem somos
livres e resolvidos
inteiros e destemidos
vamos evoluindo
um junto do outro
até quando for possível,
quando for tão forte e tiver sentido
nos vermos mais vezes
ou nos tocarmos mais profundamente
ou nos entregarmos nossas mãos
uma dentro da outra
e nossas bocas
perderem o dom da palavra
para que nossos corpos e almas
falem sua própria linguagem...
Façamos uma boa parceria
sem cláusual pétrea
revogável
a qualquer instante...
aí... tenhamos sorte...
disso sim,
vamos precisar...
e se a tivermos,
façamos um castelo
sem sonhos
mas com realidades
minhas e suas
sei que eu o quero
tanto quanto você me quer,
recomecemos do zero,
e seja o que o Diabo quiser...
Cida Torneros , 8 de junho de 2008


Amor [1]

Jurandir Freire Costa

Amor é uma palavra com muitos sentidos. Falamos de amor aos pais, aos filhos, a Deus, à pátria, ao próximo, à causa etc. Vamos reter, dessas acepções, a de amor como sinônimo de "amor erótico".
Amor erótico ou amor-paixão romântico é um complexo emocional formado por sensações, sentimentos, crenças e julgamentos. Saber o que é amor é poder reconhecer, em si ou nos outros, sensações físicas ou mentais de um tipo específico; atitudes ou disposições para com o objeto amado chamadas de sentimentos; convicções sobre a natureza do objeto amado e do amante e, por fim, julgamentos sobre o valor do amor, isto é, sobre sua bondade, sua beleza ou sua necessária participação na felicidade e no equilíbrio psicológico do indivíduo.
O amor erótico, portanto, não é apenas uma atração sexual acompanhada de sentimentos ternos (enlevo, carinho, preocupação, cuidado, dedicação, devoção etc.) ou violentos (desejos de posse exclusiva, ciúmes, desconfianças, rivalidades etc.). Pensar no amor dessa maneira já faz parte do aprendizado amoroso, pois significa estar convencido de que ele foi sempre o que é hoje, ou seja, uma emoção sem memória e sem história.
O amor romântico, entretanto, é uma emoção recente na história ocidental. Sua gênese é indissociável do enorme enriquecimento da esfera da vida íntima, da repressão à sexualidade e, por fim, da valorização moral da família nuclear e conjugal. Não é surpreendente, assim, que a liberalização da sexualidade, a ruptura com a tradição familiar e a diluição da intimidade na publicidade estejam mudando a face do amor.
Desidealização do amor
Até agora, o amor era um ideal de auto-realização afetiva que acenava para um tipo de felicidade no qual o êxtase da dissolução no outro era compatível com a consciência da individualização do desejo. Esse ideal, é óbvio, não correspondia à prática amorosa efetiva. Consciência de separação e êxtase fusional raramente andam juntos. Mesmo assim, o ideal se mantinha, pelo fato de incitar a realidade a se superar em direção à idealidade.
Atualmente, o amor vem sendo desidealizado e, em consequência, a realidade emocional parece privada daquilo que a empurrava para a auto-superação. Ora, na cultura individualista de nosso tempo, o amor romântico se tornou o reino do maravilhoso, do mágico, da vontade criativa que resistia aos assaltos da razão calculista, instrumental e utilitarista. No amor valia a regra das exceções que a emoção permite. Podíamos ser excessivos sem culpa, generosos sem temor, doadores avarentos, egoístas com boa consciência, rebeldes cientes do valor da transgressão, enfim, podíamos viver afetos ambivalentes e, ainda assim, estar psicologicamente satisfeitos.
Mas, já se disse, o hábito faz o monge. Novos mundos, novos sujeitos, novas emoções. No momento, estamos, pouco a pouco, aceitando que a experiência amorosa é fugaz e seu destino é a provisoriedade. Resta saber, portanto, para onde vai migrar a vontade de ir além do bom senso, o desafio de realizar o impossível ou o ímpeto de vencer a brevidade, em matéria de felicidade emocional. O amor romântico encarnava essas promessas. Em sua ausência, quem ou o que vai se ocupar do sentido da vida de cada dia ou da fantasia da redenção afetiva? Ainda o mesmo amor? Outras formas de amar? Ou outras maneiras de criar um mundo emocional sem a onipresença do romantismo? Difícil de responder; impossível não querer responder; a cada um a tarefa de procurar responder.

[1] Jornal Folha de São Paulo, Caderno Mais!, Milênio para Iniciantes - AMOR, 31 de dezembro de 2000. A convite do Mais!, especialistas discutem, de A de amor a Z de zoologia, 23 questões fundamentais para a humanidade a partir de 2001. Foto disponível originalmente no site www.imoon21.com/modern/sculpture/canova/canovaimg/amor.jpg

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