sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Manhã outonal de maio e a leitura do conto de amor

Manhã outonal de maio e a leitura do conto de amor

A manhã está friorenta, mas ensolarada. minha secretária chega e eu a abraço efusivemente. é seu aniversário. ela está comigo há quase 30 anos. já virou minha irmã de vida que dá tantas voltas e ela me acompanha em cada virada, cada mudança, ela me ajuda a arrumar as caixas a ajeitar os livros nas novas casas de uma cigana inquieta, que é o que eu sou. ontem, fui buscar o livro do psicanalista-escritor. avisei a ele que sou boa leitora. iniciei há pouco mais de uma hora a leitura do seu conto de amor. parei na volta dele para nova york levando uma cópia de um quadro. achei que era um bom ponto para interromper a leitura que, ele me avisou que pega..
e tá "pegando", ele tinha razão. como ele, também sou contadora de histórias, de gente estranha e de gente da família. toda família tem muita história a ser contada. a nossa, dele e minha é de imigrantes, ancestrais que ficaram pela Europa e outros que vieram fazer a América. invejo a Nicoletta, personagem do livro, nem sei bem porque. afinal , convivi com minha avó espanhola e herdei dela o gosto pela literatura. do meu avô português, tenho a composição nata, como ele, faço poesias, me redescubro nas palavras, cantando sentimentos e submergindo em mundos sonhados, enquando deixo para os leitores as sensações de pseudo-realidade. a manhã me escapa de repente, vou ao jardim, minha mãe toma sol, entre as rosas que ela plantou. um rosa cor de rosa se abriu para nós, a vermelha também, com inveja, supostamente, e vemos juntas, que há um botão solene, da amarela, pronto para se abrir, isso deve acontecer amanhã...
o dever me chama, o trabalho fora me convoca. preciso me travestir de executiva e ganhar a rua. tenho que ir ao encontro da tal responsabilidade sobrevivente. ouvirei declarações materiais inconsistentes, delas vou retirar a essência e esquecer a maquiagem supérflua. importante é fazer parte da transformação que as obras oferece às comunidades carentes. sou assessora de uma empresa que toca o tal plano de aceleração do desenvolvimento, no Rio de Janeiro. acelero o meu tempo. corro.
à noite, quando voltar à casa da minha mãe, onde moro há pouco tempo, vou retomar a leitura do conto de amor.
mas, a sensação de calor da mão do escritor, quando nos cumprimentamos ontem, ainda esquenta minha necessidade de compreender os momentos da vida. terei sido alguém que foi buscar um livro, um conto, uma história, na fonte.
mas a história dele, é como a minha, como a dos personagens do seu livro, auto-retratados, desde o contador na primeira pessoa, coisa que sabemos fazer e bem.
egos auto-retratados, em pinturas imaginadas e criadas para extravazar o inconsciente lotado de lembranças antigas.
a manhã me deixa e lá vou eu à cata de mais uma tarde de outono, que, depois, com certo pudor, tentarei repensar ou ressentir, para que meu coração se aquiete, meu corpo me surpreenda tão cansado ou tão satisfeito pelo chamado dever cumprido.
cumprirei as tarefas de escrever, entrevistar, concluir, externar, compor, enquanto, dentro de mim, questões permanecem irrespondíveis, e, a minha secretária aniversariante, acaba de me lembrar de olhar a lua esta noite, pois na noite passada, esqueci de ver como estava linda, ela me chama a atenção por essa falha, e eu me pergunto: por que esqueci de ver a lua ontem, justo na noite em que trouxe comigo o livro do conto de amor, e ainda, como prêmio, a dedicatória de carinho e amizade do escritor-psicanalista, além, do presente que foi seu aperto de mão tão "caliente"?
olho de novo minha mãe no jardim, recostada, olhando as flores, os gatos deitados à sua volta e o vaso de flores sobre a mesa da varanda, com as tulipas vermelhas, que ganhei domingo do meu filho e nora, totalmente abertas para saudar o sol, imagem inesquecível, penso, oferta de deuses atrevidos, que me querem provar a importância do calor da vida e do calor de mãos que se apertam, numa noite de lua nova. emociono-me. sei que é consequência do conto de amor que estou lendo. preciso correr com o dia e continuar a leitura. esse livro já está me pegando. o autor me avisou.
Cida Torneros

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