terça-feira, 19 de abril de 2011

RC, o Rei e seus súditos, muito além do horizonte da mídia (crônica de 2009)


RC , o Rei e seus súditos, muito além do horizonte da mídia






Um rei que não perde a majestade nem debaixo d’água, assim é o Roberto Carlos, o cantor que se apresentou no sábado dia 11 de julho para um público de milhares de admiradores no estádio do Maracanã, em show comemorativo dos seus 50 anos de carreira, enquanto uma chuva caía sobre as pessoas fascinadas diante do ídolo.






Sua história musical tão decantada por diversas formas de mídia se confunde com a vida de gerações de brasileiros comuns, aqueles que aprenderam a cantarolar suas canções, enquanto varrem as ruas, atendem nos postos de gasolina, ouvem o rádio dos automóveis, sintonizam pequeninos transmissores no alto amazonas, ligam receptores de tevê nas praças das cidades interioranas dos rincões nacionais, acorrem a shows em grandes casas de espetáculos, no nordeste ou no sul, se ligam atentamente aos especiais transmitidos em rede nacional nos finais do ano, como parte das comemorações natalinas e até incorporam expressões suas que podem servir para orações contritas ou para declarações rasgadas de amor e paixão.






Se ele passou por poucas e boas, ao longo da sua vida pessoal e profissional, soube conservar uma característica que é fundamental para a comunicação social, fala com o coração a linguagem da sua gente brasileira, independente de idade, credo, raça, classe social, e costuma enfatizar mesmo é o amor que o une ao seu público.






Isso lhe confere um lugar cativo como o Rei, embora, nas entrevistas e declarações se apresente sempre como o humilde homem que veio lá de seu pequeno Cachoeiro de Itapemirin para conquistar o mundo musical e sagrar-se o mais comunicativo entre tantos talentos, aquele que se identifica em forma e conteúdo com os intrincados aspectos da semiologia dos significados que garantem o feed back dos receptores e dos diversos públicos.






O que se viu no Maraca lotado foi uma partida espetacular onde o jogo se resumia a vários gols de placa marcados por um astro que é craque da empatia popular, o mesmo Roberto Carlos cujos símbolos são cultivados carinhosamente por décadas, apresentou-se com o tradicional “calhambeque”, vestiu-se de branco, lavou a alma dos seus súditos, garantiu a audiência do Oiapoc ao Chuí, na noite de um sábado frio e chuvoso, e levou ao delírio gente de todas as partes, de todas as espécies, de todas as idades, repetiu canções que todos sabiam de cor, riu e chorou, abraçado ao amigo Erasmo Carlos, e à maninha Wandeca, levou paz a milhões de espectadores que, por algumas horas, esqueceram da violência e vivenciaram o que ele define simplesmente como amor entre ele e seu público.






Edgard Morin teorizou bastante sobre os Olimpianos e como suas vidas passam a ser vividas por seus adoradores, Roberto é um deles, mas vai além do simples Olimpiano da mídia industrial porque ultrapassa modismos, movimentos, atenua diferenças, consegue apresentar-se junto de um Caetano Veloso no Teatro Municipal para comemorar 50 anos da Bossa Nova, tem suas músicas cantadas nas igrejas de várias religiões, quando fala da espiritualidade e de Jesus Cristo, tem ainda um percentual respeitável das chamadas “ trilhas sonoras de motel”, atende aos casais enamorados nas diversas fases das suas vidas afetivas, reverencia as mulheres de 40, as que usam óculos, as baixinhas, as gordinhas, as abandonadas, as sonhadoras, e aos homens, empresta bons argumentos para conseguirem conquistas ou para lograrem reconciliações.






Ter um cd do Roberto na manga do colete, ou no MP4, deixar que algumas das suas centenas de músicas aguardem para serem ouvidas ou cantadas no momento certo. Há sempre uma delas destinada ao instante necessário, até aquela do “Cachorro que sorriu latindo”, quando o homem volta pra casa e espera ser recebido de braços abertos pela família.






Engenhosidade, senso de oportunidade, feeling, estrela, tenacidade, boa produção, cuidadosa escolha de repertório, e voz macia com trejeitos de homem que conserva o menino que todos gostariam de proteger, são tantas emoções e tantos ingredientes que concorrem para fazer dele uma unanimidade nacional, apesar dos narizes torcidos de alguns, quem não se rendeu alguma vez a um canto do gênero: Como é grande o meu amor por você?






Pois a noite de 11 de julho, segundo ele próprio, foi a maior emoção da sua vida, uma vida de um persistente brasileiro dedicado ao que escolheu fazer, de homem com talento aliado a trabalho, de pessoa sensível ao movimento que invade a alma de um povo que o sente tão próximo, que faz dele um quase irmão, quase confidente, quase vizinho, um personagem quase comum que é ao mesmo tempo um Rei com um reinado bem delineado.






O seu trono é alma do povo brasileiro e o cetro que empunha é o coro de milhões de vozes que podem ser ouvidas nos confins, além do maracanã, muito além da lógica e bem mais além do horizonte da mídia. Onde deve ter um lugar tranqüilo pra nossa gente amar a saga do Roberto Carlos, tanto assim.


Aparecida Torneros

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