terça-feira, 15 de março de 2011

Cinquentões por Luiza Xavier

Cinquentões por Luiza Xavier



( jornalista carioca que morava em Curitiba, ela fez esta crônica em homenagem a três amigos cariocas, os da foto, com quem jantou em 2006: Aparecida Torneros, Ícaro Moreno Júnior e José Carlos Pinto, os três trabalharam juntos na Emop, naquele tempo estavam na Serla e foram ao Paraná participar de um seminário sobre recursos hídricos)




Sempre tive a impressão de ter nascido na época errada. Um constante sentimento de inadequação me acompanha desde que me entendo por gente. Ao longo da vida tenho encontrado pessoas que, em algum momento, acabam comentando algo semelhante. Porém, uma pergunta que nunca faço e que não lembro de ter ouvido é: afinal, que idade você gostaria de ter? Parece um questionamento óbvio a ser feito quando alguém diz que não se sente no ‘‘mesmo tempo dos outros’’.


Porém, acho que o incômodo causado por observações deste tipo – como assim você não queria ter nascido na época em que nasceu?! – impede que a conversa prossiga de forma natural e que sejam feitos questionamentos. A reação mais comum é mudar de assunto o mais rápido possível, partindo para comentários como ‘‘ah, que coisa…mas, você assistiu ao jogo de ontem?’’ ou ‘‘hum, interessante…será que vai dar praia no feriadão?’’ e por aí vai.


Fugir de temas ‘‘desconfortáveis’’, digamos assim, é absolutamente compreensível. Até pouquíssimo tempo eu mesma tentava compreender o motivo desse sentimento, não conseguia responder a uma questão elaborada pela minha própria mente ‘‘deslocada’’ no tempo.



A resposta chegou até mim numa noite fria do final de agosto de 2006, no tardio inverno curitibano, em um ambiente onde havia calor humano, bom vinho, boa comida e boa música. Quase tudo de que um ser humano adulto precisa para sentir-se feliz. Pelo menos aqueles três ali sentados à mesa comigo se mostravam plenamente satisfeitos. Em meio àqueles sorrisos, àquela euforia juvenil pelo fato de estarem fora da cidade onde moram, àquela conversa descontraída e, ao mesmo tempo, recheada de boas recordações despertadas pelas canções tocadas ao vivo, concluí que nasci duas décadas depois!


Sim, descobri, finalmente, que queria ter 50! Fiquei aliviada por concluir isso da melhor forma possível, admirando a amiga e os amigos, típicos ‘‘cinquentões cariocas’’, vivendo de modo simples, alegre e, acima de tudo, com muita liberdade.


Diferente dos brasileiros da minha geração, que estão na faixa dos 30, eles não passaram os primeiros dez anos de vida sob a ditadura – muitos morreram na juventude lutando contra o regime, é verdade, mas, era conseqüência do fato de não se renderem. Enquanto nós, coitados, crescemos abobalhados assistindo à tv e achando ‘‘normal’’ aquela mensagem da Censura Federal antes do início de cada programa! Eles sentiram, experimentaram, cantaram, fumaram, beberam, vestiram, ouviram, tocaram, enxergaram até os olhos doerem tudo o que, de um modo ou de outro, significava a paixão pela vida, o amor pelo outro, por si mesmo, pelo planeta. Eles foram adolescentes e jovens em um mundo sem Aids, sem carro com air bag, sem câmeras de vigilância, sem McDonalds, sem café descafeinado! Eles correram riscos. Sabe lá o que é isso?


Enfim, é por essas e outras que, enquanto os trintões estão aqui, tropeçando em culpas, fazendo malabarismos para criar os filhos, perdendo noites de sono com medo ‘‘da escalada da violência urbana’’, perdidos diante de si mesmos e de um mundo inacreditavelmente louco, eles estão lá, esperançosos. É como se a esperança inicial, aquela da primeira infância, nunca tivesse sido esquecida, apesar dos problemas, das perdas, das decepções, dos sacrifícios. Em bom ‘‘carioquês’’: aos 50 você não vai ser feliz, você ‘‘já é’’.


(Publicada originalmente no suplemento Folha Curitiba do jornal Folha de Londrina - 2007);

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