Trevos!
Enquanto seres mediados entre sonhos e realidades, cultivamos lendas internas e culturais, assimilamos historinhas fantasiosas, deleitamos pequenas superstições, que , no fundo, sabemos, não passam de pretextos fugidios para nos fazermos um pouco mais felizes em meio a uma vida onde há muito mais perguntas do que respostas, e estas, quando acontecem, nunca esgotam nossa perplexidade diante do mistério do universo...
Pois os trevos dizem por aí que são expressão de sorte. Tenho deles, de 3 folhas, teimosamente crescendo nas frestas da calçada da minha casa, motivo de brincadeira dos meus vizinhos, com quem já reclamei porque os andaram arrancando sob alegação de que eram matinho, mas pra mim, trazem bom augúrio, florescem pequeninas pétalas azuis, de vez em quando e eu as fotografo quando lembro.
D. Margô, saudosa mãe da minha amiga Marion Bombom, adentrou no hospital, quando meu filho nasceu e me levou, fresquinho um trevo de 4 folhas, para dar sorte ao pequeno rebento. Colei-o no diário que escrevi para o Léo, aliás, por 30 anos...foi quando entreguei a ele o livreto repleto de lembranças, da sua vidinha de bebê, de menino, de adolescente e de homem feito...claro que escrevi esporadicamente mas procurei registrar o quanto eu torço por ele, pela sua sorte, na passagem pelos trevos da vida, nos momentos em que as forças e energias se cruzam e somos testados pela vida.
Não me atrevo ( trocadilho infamezinho) a travar embate com trovões ou traçar coordenadas sobre os caminhos tortuosos que as voltas da vida nos fazem trilhar. Mas me intrometo no destino com a força do pensamento positivo, isso sim. Busco a luz, compartilho-a com seres iluminados que me cruzam o caminho, entendo que as trevas só existem se não nos permitimos ver pontos iluminados no fim dos túneis escuros, e, quando observamos, lá longe um resquício de luz, temos que ir ao seu encontro, para nos fazermos crescer em fé e esperança, em harmonia e bem-querer.
Ao completar ontem, 61 anos, pensei nos trevos. Nas suas florezinhas azuis, na sua delicadeza e humildade, brotando em cantos de calçadas velhas e abandonadas, sendo confundidos com matos descartáveis, mas nos oferecendo, pelo menos a mim, chance de refletir sobre pequeníssimas manifestações de uma natureza grandiosa e sábia que nos acolhe, a despeito de nossas ignorâncias, nossos descasos, nossos atrevimentos, como por exemplo, essa coisa de não entendermos bem porque os trevos podem ser de 3 ou 4 folhas ao passo que somos de muitas cabeças, muitas opiniões, e 3 ou 4 podem ser nossas certezas pequeninas em torno do amor, da amizade, da paixão, da espiritualidade, do fascínio pela eternidade questionada, ou pela sorte de amar com profunda sintonia nossos semelhantes e nossos parceiros de existência.
Bom é ter alguns trevos florescendo por onde passo, nas manhãs do tempo, ainda que sejam pisoteados ou arrancados, eles tornam a surgir, teimosamente, a dizer que a vida é círculo vicioso, não importando muito se nós a entendamos ou não!
Cida Torneros
3 de setembro de 2010
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