geraldo vandre pra nao dizer que nao falei das flores



Em entrevista, Geraldo Vandré demonstra como o espírito pode acabar antes da vida


LUÍS ANTÔNIO GIRON

opinião, na revista Época...


Luís Antônio Giron


Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV


O compositor e cantor paraibano Geraldo Vandré é uma das figuras mais excêntricas que já conheci. Ou concêntricas, pois parece viver em torno de si próprio, de seu cotidiano de advogado e funcionário público aposentado em São Paulo. Muito inquieto, quase não fica parado, e fala demais. Seria chamado hoje de hiperativo. Em 1994, fui ver um show de Vandré no auditório da biblioteca Mário de Andrade em São Paulo, onde ele apareceu fantasiado de oficial da Aeronáutica e fez executar uma peça em homenagem à instituição, intitulada "Fabiana". Em seguida, entrevistei Vandré para a Folha de S. Paulo e até me entusiasmei com a suposta exclusividade do que ele havia me confessado sobre os mistérios que o cercavam. Depois fui informado que havia dito as mesmas coisas a um jornal de esquerda, não me lembro o nome. E eu me achando o máximo por extrair confissões do antigo ídolo...


Agora Vandré repete as mesmas declarações à Globo News, em uma interessante entrevista a Geneton Moraes Neto, que pode ser revista no site do canal pago. As declarações do músico de 75 anos foram anunciadas como inéditas e a resolução de um enigma. Mas ele tem dito as mesmas coisas há pelo menos duas décadas. Minha impressão é de que Vandré vive em círculos, repetindo frases para tentar exorcizar os seus traumas. À medida que se reprisa como ídolo, suas declarações vão perdendo a força de repercussão. Talvez eu esteja sendo demasiado cruel ao dizer o que vou dizer, mas me parece que Vandré é o exemplo de um mal que acomete alguns artistas: a morte da alma em vida.


É uma situação que imagino dolorosa e irreversível. Quando o espírito precede a morte física, sobra pouco a dizer. E é talvez por isso que Vandré diz as mesmas coisas o tempo todo. Disse de novo até que está compondo um poema sinfônico e que pretende gravar um disco em espanhol. A mesma ladainha, as mesmas falas que parecem ensaiadas por um ator. No livro Verdade tropical, de 1997, Caetano Veloso faz um retrato meio caricatural de Vandré. Mostra-o como um exibicionista histérico que queria capitalizar em cima das conturbações políticas. Caetano desconfiava da sinceridade do colega, isso no momento em que ele figurava como o ídolo máximo da chamada MPB, ao lado de Chico Buarque de Holanda – o único, aliás, a fazer frente então à inspiração igualmente incendiária de Chico. Os dois haviam se defrontado num festival em 1966, e empataram: Chico, com a marcha “A banda”, defendida por Nara Leão, e Vandré com a toada “Disparada”, em parceria com Théo de Barros, por Jair Rodrigues. Curiosamente, “Disparada” se grudou no imaginário popular, ao passo que “A banda” ficou meio esquecida em sua falsa ingenuidade. Apesar de tudo, Vandré foi um ídolo.
Mas e daí? Alguém se lembra de quem foi Vandré salvo por uma ou duas músicas? Ele representa a um só tempo o símbolo da explosão criativa com que a música popular brasileira marcou a história dos anos 60 no Brasil e do oco que se seguiu, nos anos 70. Dizia-se que ele havia sido torturado pelo exército quando voltara do exílio em 1973 e que fora forçado a gravar uma declaração, afirmando que a partir de então só voltaria a gravar canções de amor. Justamente ele, que em 1968 havia posto o ginásio do Maracanãzinho abaixo com a canção "Pra não dizer que não falei de flores (Caminhando)", defendida em um dos populares festivais da canção daquele tempo, o Festival Internacional da Canção da TV Globo. A música era curiosa: o tom de ladainha, lento e sem grandes alterações senão a da intensidade do canto, emoldurava um convite à conjuração contra o Exército Brasileiro – a instituição que, naquela altura, decidiu se voltar contra a população e impor um regime baseado na censura, na perseguição, na sevícia e no assassinato dos inimigos políticos do regime que era reimplantado, com o Ato Institucional número 5, o AI-5, que tolhia a liberdade dos cidadãos e impunha a violência como prioridade rotineira.

Eu tinha oito anos então, mas me lembro do carisma de Vandré e de como minha mãe admirava aqueles versos incendiários de “Caminhando”: “Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição/ de morrer pela pátria e viver sem razão”. Professora de História no interior do Rio Grande do Sul, minha mãe foi perseguida na faculdade onde lecionava e obrigada a trabalhar em condições precárias, lutando para suprir as necessidades de seus dois filhos. Mas resistiu como uma heroína, apesar de todas as condições adversas. Não se exilou, fez carreira, escreveu dezenas de livros, doutorou-se e dá aula até hoje, símbolo da resistência à ditadura que ela representa em sua terra. Entre as coisas que a ajudaram a se manter de cabeça erguida, além do amor à família, estava o canto de Vandré. Ela mostrava a meu irmão mais novo e a mim as músicas de Vandré – e conseguiu até mesmo tocar às escondidas um compacto simples com “Pra não dizer que não falei de flores”, que ela havia emprestado de um aluno. Era um tempo em que os ditadores censuravam as músicas e torturavam quem as ouvisse. Exilado na França, em 1970, Vandré gravou com o Quinteto Violado um LP bonito, Terras do benvirá, com canções longas e nostálgicas. Minha mãe mais uma vez deu um jeito de contrabandear o disco. O tempo ensinou que Vandré não passava de um mito, e fiquei até com um aperto no coração de relatar isso a minha mãe, também fã do Chico dos anos 60 e 70.


(Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras)

Geraldo Vandré - Arueira




Pio Barbosa Neto

CE / Fortaleza
28/09/2010 10:45


Um lugar no passado


A beleza de cada ser humano está na sua capacidade infinita de desejar viver uma nova história. Mesmo que ele tenha vivido um passado maculado pelas contingências, nenhum de nós é íntegro o bastante para julgá-lo. “O que havia de bom nas épocas antigas era a sua constituição graças à qual se olhava sempre para o passado. Este o segredo da sua inesgotável plenitude. Porque a riqueza de uma obra - de uma geração - é sempre determinada pela quantidade de passado que contém. (Cesare Pavese, in 'O Ofício de Viver). Tanto ou mais que as pessoas, os lugares vivem e morrem. Com uma diferença: mesmo se já mortos, os lugares retêm a vida que os animou. No silêncio, sentimos-lhes os ouvidos vigilantes ou o rumor infatigável dos ecos ensurdecidos. (Fernando Namora, in 'Jornal sem Data). “O passado é a ternura e a legenda, o absoluto e a música, a irrealidade sem nada a acotovelar-nos. E um aceno doce de melancolia a fazer-nos sinais por sobre tudo (...) Todo o presente espera pelo passado para nos comover.(...) Há tanto que ser feliz na impossibilidade de ser feliz. Sobretudo quando ao futuro já se lhe toca com a mão. Há tanto que ter vida ainda, quando já se a não tem... (Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 5'). O passado é um labirinto e estamos nele, um passado não tem cronologia senão para os outros, os que lhe são estranhos. Mas o nosso passado somos nós integrados nele ou ele em nós. Não há nele antes e depois, mas o mais perto e o mais longe. E o mais perto e o mais longe não se lê no calendário, mas dentro de nós. (Vergílio Ferreira, in 'Estrela Polar). "Cada um tem o seu passado fechado em si, tal como um livro que se conhece de cor, livro de que os amigos apenas levam o título." ( Virginia Woolf ) O passado é uma cortina de vidro. Felizes os que observam o passado para poder caminhar no futuro. (Augusto Cury). Afinal, não há nenhum lugar nessa terra tão distante quanto ontem.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Marina e Dilma: trocando gravatas... por colares...

O artigo a seguir,publiquei há mais de um ano...mas, sinceramente, acho que o Brasil merecia um segundo turno com Marina e  Dilma, duas expressões femininas dignas de admiração por suas trajetórias de vida pessoal e política!
Cida Torneros
 

sábado, 15 de agosto de 2009


Marina e Dilma: trocando gravatas...


As notícias dão conta de que há uma guerra sem gravatas nos bastidores da política nacional. Sem gravatas, mas com bravatas, o que é rotineiro nesse gênero de brigas pelo espaço do poder máximo do executivo nacional. A novidade é o escanteio para o qual foram jogados os nomes masculinos.


Um Brasil cada vez mais feminino surge no cenário do comando com rédeas curtas, pois fica claro que há entre as possíveis candidatas, um fio que as liga ao discurso menos brincalhão a que nos acostumamos. Qual delas compararia episódios da vida nacional a passes de futebol? Talvez aprendam, para chegar mais perto dos ouvidos torcedores do eleitorado masculino, que hoje, estatisticamente, já é minoria.

Manchetes estampam a reviravolta no quadro sucessório presidencial que há muito vem beirando a feminilidade, com as presenças de canditadas em fase de pré-escolha ou de reedição de propostas. Roseana foi o balão de ensaio, da saga maranhense herdada do feudo da família Sarney, Heloísa, das Alagoas, é sempre um nome em pauta, com sua postura de salvadora da Pátria que se coloca bem, na medida do possível, quando lhe é dada a chance de emergir. Marta Suplicy está entre as menos cogitadas, atualmente, mas fez seu nome na historia paulista e nacional, entre declarações gozadoras que no fundo são audaciosos avanços da mulherada em busca do espaço antes ocupado pelo mundo dos machos a quem cabia falar o que bem lhe aprouvesse.


Eis que surgiram, de uns tempos para cá, duas figuras tão fortes e tão combatentes, de vidas pessoais visivelmente corajosas, a Marina e a Dilma. E aí estão elas, na disputa, atropelando prognósticos, um prato cheio para as instituições de pesquisa, capazes de acirrar o debate, de confundir os eleitores, mas , sobretudo, figuras propensas a enriquecer a já cansativa e repetitiva campanha eleitoral que nos invade ouvidos, olhos e paciência, via televisão, rádio e afins, nos anos eleitorais.

É que Marina usa somente bijuterias feitas com sementes da Amazônia, este é um dado a considerar, sua brasilidade acreana, certamente vai encantar parte do público como referência nacional. Dilma, a forte, enfrenta com dignidade o tratamento contra doença séria e não pára de trabalhar. Marina tem olhos de guerreira da tribo, Dilma absorve as mazelas do Governo e as transforma em obras, procedimentos, números positivos, comanda equipes e esbanja mais tecnicismo do que jogo partidário. Marina tem voz doce e sorriso meigo. Dilma tem voz empostada e sorri pouco, mas, lança olhares de incentivo aos brasileiros que dela esperam continuidade dos melhores programas da era lulista.


Parece que elas não tem companheiros candidatos ao posto de "primeiro damo", são mulheres que se acostumaram a lutar sozinhas, salvo engano, talvez nem tanto, pois tem filhos, trazem a experiência da maternidade, fator ímpar na decisão de qualquer dirigente que busque equilibrar sentimentos e razão, coisa que mãe faz o tempo inteiro, ao longo da sua vida.


Fala-se em acordo para que não venham a se bater muito nos debates, caso sejam confirmadas como reais candidatas ao cargo no Palácio do Planalto, e , no fundo, nem há que se esperar uma peleia de mulheres ciumentas ou ambiciosas. O que se verá, se realmente acontecer, será o duelo de duas guerreiras, instadas pela solução que proporão ao país que amam, além do mais, o que se verá como fato novo, é que elas usarão baton e enfeites, ao seu modo, alguns arranjos de cabelos, cortes ou coques, talvez unhas pintadas, quem sabe uma fragrância cítrica de flores nativas, ou ainda roupas de corte sóbrio, não faltarão saias longas, colares, óculos fashion, expressões amigas, tipo "minha querida", ou coisa que o valha, e dentre tantas suposições, uma agora me intriga...


Se combinassem as duas e chegassem de camisas e gravatas ao primeiro debate televisivo, criariam a maior expectativa de marketing, nunca dantes imaginada.


Aí, num gesto conjunto, Dilma e Marina, tirariam e trocariam as tais figuras simbólicas do traje masculino tradicional, com fazem os jogadores de futebol, com a troca de camisas, e nós teríamos a chance de ver, abolido, definitivamente o crime do colarinho branco em terras brasileiras. As gravatas entrarão para a história então, como fatos passados, e lenços coloridos, de poás, floridos, verdes e amarelos, enfeitarão os pescoços de uma e de outra, qualquer que seja a vencedora, já que a hora feminina do comando brasileiro chegou, afinal.



Aparecida Torneros

“No peito de Dilma também bate um “fragil” coração

Posted on 07-10-2009


Cida Torneros: “No peito de Dilma também bate um “frágil” coração
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CRÔNICA / SENTIMENTOS
publicado no site Bahia em Pauta em outubro de 2009


O coração da candidata Dilma


Aparecida Torneros


A entrevista publicada no domingo, dia 4 de outubro, no Jornal O Globo, Rio de Janeiro, é precedida de um esclarecimento que antecipa aos leitores sobre as circunstâncias do “ping-pong” que se segue. O box introdutório menciona “adversidade”, reencontro da entrevistada Dilma Housseff com o entrevistador Jorge Bastos Moreno, fala da sobrevivência diante da doença, da cura anunciada para o câncer após tratamento e na longa conversa que se iniciou num café da manhã e se estendeu quase até a hora do almoço.


O jornalista deixa entrever que a ministra abriu mão da agenda oficial para divagar nas ondas da emoção que é recuperar a sede de viver, citando inclusive ” Hoje percebo a intensidade da tarde. Observo atentamente o que o vento faz com as folhas das árvores, sinto o perfume das flores e o cheiro da terra”.


A partir daí, segue-se um abrir de um coração de candidata, ou melhor, um coração feminino, prestes a se “apaixonar” por algo ou alguém mais humano e menos administável, do ponto de vista de qualquer autor de novela, digamos que a reportagem em destaque no jornal carioca, revela uma “nova” Dilma, que relembra até as novelas que assistiu ainda jovem, na cadeia, acompanhada das outras presas políticas.


Mas, ela vai além, repensa sobre a paixão, fala de literatura, de música, aliás, canta algumas letras famosas, segundo seu interlocutor, o jornalista Moreno, hábil no mister de deixar a entrevistada tão à vontade que ela responde “infelizmente não”, logo de cara, à primeira pergunta formulada. -” A senhora está namorando? Está apaixonada?”


Assim, o que é possível ler, tanto ao pé da letra, como nas entrelinhas da peça jornalística, traz o perfil dos sentimentos de uma mulher como qualquer outra, que vê a vida com olhos de quem precisa divulgar que convive bem com a solidão, porque, na verdade, ela mesma classifica ” é o bom convívio consigo mesmo”.

Dilma lista suas preferências musicais, tão variadas e de um teor eclético presumível para quem trafega em mundos populares e eruditos, com a missão profissional de melhor entender o povo ao qual se postula como possível candidata a governar, em eleições que esmiuçarão tudo, desde de sua vida pessoal, passando pelo seu comportamento político, e incluindo o nível de equilíbrio necessário para alguém que pode vir a comandar um país como o Brasil.

Se candidata, e se eleita, pela primeira vez, o Brasil terá uma mandatária usando saias , batons e brincos, sem perder de vista que estarão a seu cargo, como chefe do Executuivo, observar com atençaõ os números do PIB, os investimentos necessários para o crescimento da renda per capita das classes mais baixas, e ainda, manter-se serena e conciliadora, por vezes, e noutras, ter pulso firme, apaziguar questões adversas, articular apoios, ser “anticaos”.
Ela cita o livro “anticâncer” como o que mais ganhou durante a fase difícil da doença que enfrentou, diz que deve ter recebido uns 20 exemplares, que o leu, que valeu a pena e que o distribuiu em São Paulo, provavelmente, entre os doentes que conheceu.

A entrevistada relembra o personagem Sinhozinho Malta, vivido pelo ator Lima Duarte, e conta que a primeira novela que lembra de ter assistido foi Irmãos Coragem, nos tempos da cadeia. Dilma solta-se pelos caminhos sensitivos da musicalidade, da literatura, da tietagem por Roberto Carlos, do qual diz gostar demais, e aponta “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, como uma das suas preferidas.


Cantarola uma do Chico : ” A Rita levou meu sorriso, no sorriso dela …” e se diz apaixonada por aquela intitulada “Quem te viu , quem te vê”. Destaca o trecho que gosta mais: ” Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria, quero que você assista, na mais fina companhia”.

Do Gil, ela fala em Procissão, e tenta lembrar outras, e do Pinxiguinha, ela lembra de Rosa. Canta uma parte memorável; ” Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa do amor, por Deus esculturada”


Mas quando se refere a Noel Rosa, a ministra canta inteira a que fala na Noite de S. João. “Nosso amor que eu não esqueço, e que teve seu começo numa festa…”


A entrevista, que ocupou página inteira, e ainda prossegue em meia página mais adiante, acrescenta muito mais sobre os gostos musicais e literários da Dilma candidata, da Dilma cantadora, da Dilma sobrevivente de doença grave, da Dilma que adora João Cabral de Melo Neto, que chega a lembrar dos sonhos infantis, um deles, segundo ela, o que durou mais tempo, o de ser bailarina.

O inusitado da reportagem, em termos de informação ao público que, estatisticamente, parece mesmo conhecê-la ainda muito pouco, e deve ter sido o fato de que um jornal de grande circulação, num domingo de amplo espectro de leitores, se dispôs a divulgar o coração da candidata Dilma.


Uma senhora que está sendo preparada para tentar a disputa no pleito máximo da condução dos caminhos nacionais, e que, até agora, falava de pré-sal, de usinas termo-nucleares, de obras e orçamentos para o programa de aceleração do crescimento, ou se defendia de tiroteios políticos naturais que partem de adversários também interessados na mesma luta pelo poder, ou na democrática e oportuna onda de colocações plausíveis entre situação e oposição.


Pois a “poderosa” Dilma foi apresentada, “frágil”, de coração aberto, digamos assim, entre os devaneios do seu interlocutor, ou os sonhos agora difundidos para os homens disponíveis que se habilitarem a se candidatar a um lugarzinho especial no tal “coração apaixonável” ( por que não?) da candidata a nossa chefe de Governo.

O próprio Jorge Bastos Moreno deixou escapar no seu texto que ” esse é o mistério que a campanha eleitoral certamente não vai revelar – uma pena para um país que nunca teve um primeiro-damo”.


Aparecida Torneros, jornalista e escritora, mora no Rio de Janeiro, e edita o Blog da Mulher Necessária, onde o texto foi publicado originalmente) (http://blogdamulhernecessaria.blogspot.com)

(4) Comments Read More Comments


lilian on 7 outubro, 2009 at 16:39 # que bom

Mariana Soares on 7 outubro, 2009 at 18:12 # É esta Dilma, competente e firme, mas, também, musical, doce e apaixonada, que queremos ver candidata a chefe da nossa nação.


Olivia on 7 outubro, 2009 at 19:54 # Também adoro Noel e João Cabral de Melo Neto. Chico Buarque não se comenta – é tudo de bom em todos os sentidos. Vamos em frente, Dilma. A jornada é longa e espinhosa, mas, com essas companhias, chegaremos lá.


Marcos Vinícius on 8 outubro, 2009 at 9:55 # A ministra Dilma participa amanhã, sexta-feira, dia de vestir branco na Bahia (não esquecer), de missa na Igreja do Senhor do Bonfim. Oxalá a proteja e nos proteja, sempre.

Jornal inglês diz que Dilma é "uma líder extraordinária"


Jornal inglês diz que Dilma é "uma líder extraordinária"




O jornal The Independent destacou neste domingo que o Brasil se prepara para eleger no próximo final de semana a "mulher mais poderosa do mundo" e "uma líder extraordinária". As pesquisas mostram que ela construiu uma posição inexpugnável – de mais de 50%, comparado com menos de 30% - sobre o seu rival mais próximo, homem enfadonho de centro, chamado José Serra. Jornal também afirma que candidata tem sofrido ataques em uma campanha impiedosa de degradação patrocinada pela mídia brasileira.


Hugh O'Shaughnessy - The Independent


A mulher mais poderosa do mundo começará a andar com as próprias pernas no próximo fim de semana. Forte e vigorosa aos 63 anos, essa ex-líder da resistência a uma ditadura militar (que a torturou) se prepara para conquistar o seu lugar como Presidente do Brasil.


Como chefe de estado, a Presidente Dilma Rousseff seria mais poderosa que a Chanceler da Alemanha, Angela Merkel e que a Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton: seu país enorme de 200 milhões de pessoas está comemorando seu novo tesouro petrolífero. A taxa de crescimento do Brasil, rivalizando com a China, é algo que a Europa e Washington podem apenas invejar.


Sua ampla vitória prevista para a próxima eleição presidencial será comemorada com encantamento por milhões. Marca a demolição final do “estado de segurança nacional”, um arranjo que os governos conservadores, nos EUA e na Europa já tomaram como seu melhor artifício para limitar a democracia e a reforma. Ele sustenta um status quo corrompido que mantém a imensa maioria na pobreza na América Latina, enquanto favorece seus amigos ricos.

A senhora Rousseff, filha de um imigrante búlgaro no Brasil e de sua esposa, professora primária, foi beneficiada por ser, de fato, a primeira ministra do imensamente popular Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ex-líder sindical. Mas com uma história de determinação e sucesso (que inclui ter se curado de um câncer linfático), essa companheira, mãe e avó será mulher por si mesma. As pesquisas mostram que ela construiu uma posição inexpugnável – de mais de 50%, comparado com menos de 30% - sobre o seu rival mais próximo, homem enfadonho de centro, chamado José Serra. Há pouca dúvida de que ela estará instalada no Palácio Presidencial Alvorada de Brasília, em janeiro.


Assim como o Presidente Jose Mujica do Uruguai, vizinho do Brasil, a senhora Rousseff não se constrange com um passado numa guerrilha urbana, que incluiu o combate a generais e um tempo na cadeia como prisioneira política.




Quando menina, na provinciana cidade de Belo Horizonte, ela diz que sonhava respectivamente em se tornar bailarina, bombeira e uma artista de trapézio. As freiras de sua escola levavam suas turmas para as áreas pobres para mostrá-las a grande desigualdade entre a minoria de classe média e a vasta maioria de pobres. Ela lembra que quando um menino pobre de olhos tristes chegou à porta da casa de sua família ela rasgou uma nota de dinheiro pela metade e dividiu com ele, sem saber que metade de uma nota não tinha valor.



Seu pai, Pedro, morreu quando ela tinha 14 anos, mas a essas alturas ele já tinha apresentado a Dilma os romances de Zola e Dostoiévski. Depois disso, ela e seus irmãos tiveram de batalhar duro com sua mãe para alcançar seus objetivos. Aos 16 anos ela estava na POLOP (Política Operária), um grupo organizado por fora do tradicional Partido Comunista Brasileiro que buscava trazer o socialismo para quem pouco sabia a seu respeito.


Os generais tomaram o poder em 1964 e instauraram um reino de terror para defender o que chamavam “segurança nacional”. Ela se juntou aos grupos radicais secretos que não viam nada de errado em pegar em armas para combater um regime militar ilegítimo. Além de agradarem aos ricos e esmagar sindicatos e classes baixas, os generais censuraram a imprensa, proibindo editores de deixarem espaços vazios nos jornais para mostrar onde as notícias tinham sido suprimidas.


A senhora Rousseff terminou na clandestina VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares). Nos anos 60 e 70, os membros dessas organizações sequestravam diplomatas estrangeiros para resgatar prisioneiros: um embaixador dos EUA foi trocado por uma dúzia de prisioneiros políticos; um embaixador alemão foi trocado por 40 militantes; um representante suíço, trocado por 70. Eles também balearam torturadores especialistas estrangeiros enviados para treinar os esquadrões da morte dos generais. Embora diga que nunca usou armas, ela chegou a ser capturada e torturada pela polícia secreta na equivalente brasileira de Abu Ghraib, o presídio Tiradentes, em São Paulo. Ela recebeu uma sentença de 25 meses por “subversão” e foi libertada depois de três anos. Hoje ela confessa abertamente ter “querido mudar o mundo”.


Em 1973 ela se mudou para o próspero estado do sul, o Rio Grande do Sul, onde seu segundo marido, um advogado, estava terminando de cumprir sua pena como prisioneiro político (seu primeiro casamento com um jovem militante de esquerda, Claudio Galeno, não sobreviveu às tensões de duas pessoas na correria, em cidades diferentes). Ela voltou à universidade, começou a trabalhar para o governo do estado em 1975, e teve uma filha, Paula.


Em 1986 ela foi nomeada secretária de finanças da cidade de Porto Alegre, a capital do estado, onde seus talentos políticos começaram a florescer. Os anos 1990 foram anos de bons ventos para ela. Em 1993 ela foi nomeada secretária de minas e energia do estado, e impulsionou amplamente o aumento da produção de energia, assegurando que o estado enfrentasse o racionamento de energia de que o resto do país padeceu.


Ela fez mil quilômetros de novas linhas de energia elétrica, novas barragens e estações de energia térmica construídas, enquanto persuadia os cidadãos a desligarem as luzes sempre que pudessem. Sua estrela política começou a brilhar muito. Mas em 1994, depois de 24 anos juntos, ela se separou do Senhor Araújo, aparentemente de maneira amigável. Ao mesmo tempo ela se voltou à vida acadêmica e política, mas sua tentativa de concluir o doutorado em ciências sociais fracassou em 1998.

Em 2000 ela adquiriu seu espaço com Lula e seu Partido dos Trabalhadores, que se volta sucessivamente para a combinação de crescimento econômico com o ataque à pobreza. Os dois se deram bem imediatamente e ela se tornou sua primeira ministra de energia em 2003. Dois anos depois ele a tornou chefe da casa civil e desde então passou a apostar nela para a sua sucessão. Ela estava ao lado de Lula quando o Brasil encontrou uma vasta camada de petróleo, ajudando o líder que muitos da mídia européia e estadunidense denunciaram uma década atrás como um militante da extrema esquerda a retirar 24 milhões de brasileiros da pobreza. Lula estava com ela em abril do ano passado quando foi diagnosticada com um câncer linfático, uma condição declarada sob controle há um ano. Denúncias recentes de irregularidades financeiras entre membros de sua equipe quando estava no governo não parecem ter abalado a popularidade da candidata.

A Senhora Rousseff provavelmente convidará o Presidente Mujica do Uruguai para sua posse no Ano Novo. O Presidente Evo Morales, da Bolívia, o Presidente Hugo Chávez, da Venezuela e o Presidente Lugo, do Paraguai – outros líderes bem sucedidos da América do Sul que, como ela, têm sofrido ataques de campanhas impiedosas de degradação na mídia ocidental – certamente também estarão lá. Será uma celebração da decência política – e do feminismo.

Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 26 de setembro de 2010

Hora do Cha!!!



Dia friorento, sabado de fim de setembro, recebo em casa, minha amiga Deolinda, que , como eu, adora um chazinho, com guloseimas e filminho especial, sessao caseira. Fim de tarde, assistimos "o segredo dos seus olhos" filme argentino, maravilhoso e ainda, ela me trouxe para ver, o documentario sobre Pompeia, onde esteve recentemente. Deo viaja muito, biologa e professora, somos amigas das aulas de frances, comungamos o bom gosto pela historia da humanidade e por boas historias de vida.
Cida Torneros




Viajante, a música que mudou minha vida...



Eram os anos 80, eu, na correria, criando filho, casadinha, dando aulas na universidade, trabalhando dia e noite, enfrentando crises afetivas, existenciais, era um poço de  perguntas sem resposta sobre a convivência. Uma noite, saí do trabalho e dirigi meu carro rumo ao shopping da época, o Rio Sul. Quase lá chegando, na fila do estacionamento, o radinho antigo do carro antigo, começou a emitir a voz do Ney Matogrosso, em tom de confissão... Parei  meus pensamentos para interiorizar a música. Uma sensação de resposta  me tomou de assalto. Minha nossa, aquela voz e aquela letra, misturadas naquela melodia, pareciam responder ao meu momento de vida. Como explicar o que senti exatamente no instante em que percebi que a viagem de nós todos é como um furor uterino? Cercas que criamos para viajarmos menos? Medos de sair das redomas em que nos enredamos para nos certificarmos de que estamos salvaguardados de   novos desafios? Gente, eu era, naqueles poucos minutos, o  tal ser  que se guardava tanto ardendo de medo    para enfrentar  a morte do amor dentro de mim. Chorei. Lágrimas de desabafo iniciaram seu trajeto sobre minha pele, eu  não podia me desgrudar do volante, segurava a marcha do automóvel, como quem segura a bóia salvadora do naufrágio, e consegui estacionar. Ainda fiquei tonta  alguns segundos, ao final da interpretação, sabia que jamais ia  me desligar  do  intenso  toque que a  voz do artista, através da música, tinha acabado   de me passar, um recado revolucionário para uma vida que se encontrava estagnada, repetitiva, acomodada, quase conformada  pelo descaminho da frustração amorosa. 

Saí  do  carro, fiz as compras que precisava, voltei para casa, encarei a possibilidade de me preparar para as mudanças que viriam pouco a pouco nos anos seguintes, não tirei da  minha memória aquela voz com aquelas palavras. Durante décadas, fui vivendo e me transformando, enfrentei tantos  embates comigo mesma, mudei de casa, de amores, de trabalhos, de objetivos, fui buscando novos portos, virei viajante compulsiva, para ser talvez  muito   mais "minha" do que de qualquer  outra pessoa...

Em compensação, somente há uns meses  atrás, tomei coragem, entrei numa loja e comprei o cd  player com a  gravação do Ney,  pedi ao vendedor: quero aquela do Viajante, sabe qual é? o rapaz  estranhou, disse: -sei sim, senhora, mas é muito antiga, nem temos este  disco aqui na loja, mas vou encomendar e em 48  horas pode vir buscar...

Dois dias depois, lá fui eu, embora tivessem se passado 20 anos, lá fui eu, sentindo-me tola como uma viajante, agora solitária e solteirinha, vivendo a vida de um pássaro agora com asas, rainha da coragem, deixando no museu da minha própria história, toda a covardia que um dia me  deixara prisioneira de  um momento   em que eu julgava poder viver modelos que não sou modelos, são prisões, lá estava  eu,  na loja de som, adquirindo, finalmente, a versão da voz do Ney, para ouvir em casa, com calma, e com júbilo, festejando a música que mudou minha vida.

                                                 Cida  Torneros





Muitos amores..



na descida da ladeira, naquela cidade mística, sob o reflexo do sol, atrás da vidraça de um café, em pleno século XXI, Marie observou que um homem, contritamente, escrevia uma carta.


ela parou para contemplar a criação que mais parecia a volta aos velhos tempos, numa atitude solitária e romântica. para quem ele dirigia seus sentimentos naquele momento? seria uma carta de amor?


o missivista parecia envolvido de tal modo com seu gesto que nem percebia a mulher que estava parada, ali fora, envolvida com o clima etéreo da imaginação que corria solta... o homem grisalho, rosto que lembrava um dos seus muitos amores, Marie entendeu que podia ser uma projeção do seu pensamento, vontade que tinha de entender as palavras de alguém que lhe escrevesse uma carta para contar que os sentimentos não se perdem, porque eternizam os sonhos dos amores que chegam e depois se vão...


a mulher deixou que seu pensamento voasse, o mundo lhe trazia dimensões inesperadas, de vez em quando, como aquela, quando era possível entender que alguém pudesse organizar idéias e colocá-las num papel, à moda antiga, para depois, certamente, dobrar com cuidado as folhas recem escritas, aconchega-las num envelope e deixar que seguissem seu caminho para serem lidas nas mãos de um outro ser, bem longe daquele lugar.


Marie sabia que havia lugares ainda tão distantes do seu coração e da sua alma, por onde passaria brevemente, e onde, teria que reencontrar seus sentimentos mais profundos, para trocar de bem com seu próprio coração, ultrapassar os limites dos medos que a angustiavam, nos últimos meses.


dar de cara com a cena do homem que escrevia a carta, foi, para Marie, um aviso de simultaneidade dos amores que se acham perdidos nos caminhos dos peregrinos inquietos, daqueles que buscam achar as razões mais profundas para seus sentimentos mais superficiais. ela era uma dessas criaturas, fazia parte da legião dos que sabem reconhecer amores e não os renegam, apenas os vivem, em sua plenitude, aceitando suas efemeridades e suas eternidades, se assim estava escrito...


Marie foi interrompida por uma amiga, que a tocou com sensibilidade, lembrando-a que devia prosseguir a caminhada em direção àquele templo onde ia orar pela redenção de tantos amores sepultados e por um novo amor em fase nascente...


ao descer a ladeira, sem olhar para trás, Marie guardou nos olhos a imagem do homem que escrevia sua carta em contrição, desejou que a tal carta chegasse ao seu destino e levasse uma linda mensagem de amor, um libelo de reencontro, uma notícia bondosa para alguém que a estivesse esperando, por muito tempo, como um prêmio.


os olhos de Marie denunciaram sua emoção, ela chorou baixinho, sem entender ainda que os amores, muitas vezes, fazem chorar, quando se aproximam da tal felicidade e do tal grande encontro com que todos sonham durante suas peregrinações pelo caminho místico da busca do verdadeiro e único amor, o tal amor definitivo, o tal amor maior, o grande amor das nossas vidas...o dela, ela já sabia, a esperava, do outro lado daquela cidade, nem tão longe e nem tão perto, questão de caminhar mais um pouco e chegar até Antoine, que lhe abriria os braços para amparar a viajante cansada de tantos amores...


Cida Torneros






http://www.youtube.com/watch?v=HVpr-uvpdPI

O amor é uma armadilha



O amor é uma armadilha




Marie acordou pensativa naquela segunda-feira. Tinha lido um artigo dominical sobre a tese de um psiquiatra, Flavio Gikovate, especialista em relações amorosas, que fala da necessidade de saber ser feliz sozinho. Ela sempre pensou nisso, pois estava só, e feliz, há muitos anos. Sabia que o amor, preconizado como ainda romântico, tende a mudar de cara, nos tempos modernos. Marie lembrou de tantos momentos em que chegou a imaginar que pudesse existir amor verdadeiro entre um homem e uma mulher. Destacou um trecho da reportagem:





"O psiquiatra percebeu que a maior parte dos casais é formada por um generoso e um egoísta, numa confirmação do ditado que diz que opostos se atraem. Em seguida, embaralhou, a exemplo de Nietzsche, os juízos de valor contidos nessas duas categorias: “O egoísta não tolera frustrações, é mais estourado e procura sempre arrumar um jeito de levar vantagem, porque a vida dura não é parte de seu psiquismo. O generoso, por sua vez, não consegue dizer ?não? quando solicitado porque não sabe lidar com a culpa, sentindo-se envaidecido e superior por conseguir dar mais do que recebe”. Para superar essa armadilha em que “um reforça a pior parte da alma do outro”, diz Gikovate, é preciso ir além da generosidade. É a atitude do “justo”, cuja característica é dar e receber de maneira equilibrada. Ocupar-se de seus interesses sem se descuidar do outro. Ser compreensivo, sem passar a mão na cabeça de quem erra. Uma sutileza descrita na máxima de Nelson Rodrigues: “Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe”. Diante dos dilemas do amor moderno, em vez da ideia ultrapassada das “caras-metades”, Gikovate prefere a de “almas gêmeas”. Gêmeas bivitelinas, bem entendido. “Se tiver que optar entre o amor e a individualidade, fico com a individualidade.” Para esse entusiasmado defensor da independência entre os casais, no século 21, estar inteiro e feliz é uma condição anterior ao encontro amoroso.


Marie engendrou então sua armadilha e pegou o rato na ratoeira. Conseguiu se disfarçar para fazer seu namorado cair na sedução de um personagem que ela mesma criou. E se arrependeu. Mas já era tarde.


A doce e madura Marie conhecia bem os homens, pelo menos, vários lados deles, e os aceitava como eram. Não ia mudá-los mesmo, uma cultura milenar ocidental fez dos machos seres conquistadores, caçadores, infantis e enganosos. Como abrir mão dos seus pedidos de perdão quando pegos nos deslizes e traições? Foi assim que Marie começou a semana, lembrando que o amor é armadilha.


O mundo é palco de um jogo de encenação, os personagens andam soltos por aí, e os felizes, estes, como Marie, são criaturas que prezam seus sentimentos, correm atrás dos seus prejuízos, até caem de vez em quando nos alçapões da paixão, mas se levantam na preciosidade dos sonhos e dos perdões e seguem correndo em busca de dias e noites melhores, madrugadas afetuosas, manhãs de reencontros, abraços de aconchego e agradecimentos de doçura.




Marie tinha lados egoístas e um só lado generoso, concluiu. Era generosa consigo própria, e se dava chance de amar e ser amada, ainda que obedecendo regras culturais e sociais ultrapassadas, vivenciando compatível ciúmes da pessoa amada, mas, sem abrir mão jamais do seu amor próprio e do seu espaço individual.



Num piscar de olhos, ela se viu cercada por energia sólida, positiva, fez-se altiva, senhora de si, sabia que era pessoa inteira, com objetivos definidos, sabia-se racional, embora, e disso ela não escapou, ao sentir a dorzinha em seu coração ao perceber que poderia perder o sonho do amor, se não o perdoasse. Tal atitude lhe mostrou, de novo, que é preciso se emocionar com a vida, com as pessoas, com os fatos, e perceber que o amor, enquanto armadilha, prende e solta, num movimento infinito e inevitável de encontros e separações.




Marie entrou no táxi, e se viu pedindo que o motorista a levasse para bem longe, como se pudesse atravessar o oceano, como se cruzasse a ruas do seu bairro, em direção ao endereço onde a ilusão insiste em viver, bem ali, na beira do rio, ouvindo cantar os pássaros e vendo singrar os barcos mansos.




O coração de Marie, que pulava desde que ela se levantou, como se fosse explodir, então, repentinamente, se aquietou. A mulher compreendeu o quanto a vida a presenteava e fazia com que os amores novos floresçam a cada primavera. Marie parou de chorar, entendeu melhor a reportagem do psiquiatra. Ela seria sempre uma solitária feliz, capaz de amar alguém, mesmo que esse alguém não estivesse maduro. Talvez ela encarnasse no teatro da vida a tal generosa da história, e não a egoísta, como sempre achara que fosse.


Aparecida Torneros


Rio, 15 de junho de 2009


sábado, 4 de setembro de 2010

como diz meu terapeuta, o J.Arruda, a vida é mesmo um
Ciclo Virtuoso!!!!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Trevos!

Trevos!

Enquanto seres mediados entre sonhos e  realidades, cultivamos lendas internas e culturais, assimilamos historinhas fantasiosas, deleitamos pequenas superstições, que , no fundo, sabemos, não passam de pretextos fugidios para  nos fazermos um pouco mais felizes em meio a  uma vida onde há muito mais perguntas do que respostas, e estas, quando acontecem, nunca esgotam nossa perplexidade diante do mistério do universo...

Pois  os trevos dizem por aí que são expressão de sorte. Tenho deles, de 3 folhas, teimosamente crescendo nas  frestas da calçada da minha casa, motivo de brincadeira dos meus vizinhos, com quem já reclamei porque os andaram arrancando sob alegação de  que eram matinho, mas pra mim, trazem bom augúrio, florescem pequeninas pétalas azuis, de vez em quando e eu as fotografo quando lembro.

D. Margô, saudosa mãe da minha amiga Marion Bombom, adentrou no hospital, quando meu filho nasceu e me levou, fresquinho  um trevo de 4 folhas, para dar sorte ao pequeno rebento. Colei-o no diário que escrevi para o Léo, aliás, por 30 anos...foi quando entreguei a ele  o livreto repleto de lembranças, da sua vidinha de bebê, de menino, de adolescente e de homem feito...claro que escrevi esporadicamente mas  procurei registrar o quanto eu torço  por ele, pela sua sorte,  na passagem pelos trevos da vida, nos momentos em que as forças  e energias se cruzam e somos testados  pela vida.

Não me atrevo ( trocadilho  infamezinho) a travar embate com trovões  ou traçar coordenadas sobre os caminhos tortuosos que as  voltas da vida nos fazem trilhar. Mas me intrometo no destino com a força  do pensamento positivo, isso sim. Busco a luz, compartilho-a com seres  iluminados que me cruzam o caminho, entendo que as trevas  só existem se não nos permitimos  ver  pontos iluminados  no fim dos túneis escuros, e, quando observamos, lá longe  um resquício de luz, temos que ir ao seu encontro, para  nos fazermos crescer em fé e esperança, em harmonia e bem-querer.

Ao completar ontem, 61 anos, pensei nos trevos. Nas suas florezinhas azuis, na sua delicadeza e humildade, brotando em cantos de calçadas velhas e abandonadas, sendo confundidos com matos descartáveis, mas nos oferecendo, pelo menos a mim,   chance de  refletir  sobre pequeníssimas manifestações de uma natureza grandiosa e sábia que nos acolhe, a despeito de nossas ignorâncias, nossos descasos, nossos atrevimentos, como  por exemplo, essa coisa de não entendermos bem  porque os trevos podem ser de 3  ou 4 folhas ao passo que somos de  muitas cabeças, muitas  opiniões, e 3 ou 4 podem ser nossas certezas pequeninas em torno do amor, da amizade, da paixão, da espiritualidade, do fascínio pela eternidade questionada, ou pela  sorte de amar com profunda sintonia nossos semelhantes e nossos parceiros de existência.

Bom é ter  alguns trevos florescendo por onde passo, nas manhãs do tempo, ainda que sejam  pisoteados ou arrancados, eles tornam a surgir, teimosamente, a  dizer que a vida é círculo vicioso, não importando muito se nós a entendamos ou não!

Cida Torneros
3 de setembro de 2010