sexta-feira, 2 de julho de 2010

De quem são os filhos adoptivos da dona do 'Clarín'?


De quem são os filhos adoptivos da dona do 'Clarín'?



Adoptados em 1976 , Marcela e Felipe podem ser descendentes de desaparecidos durante a ditadura militar. Foram obrigados a ceder amostras de ADN
Marcela e Felipe não quiseram ceder amostras de ADN ao Banco de Dados Genéticos da Argentina para que se esclarecesse se fazem parte das 500 crianças filhas de presos políticos que nasceram em cativeiro durante a ditadura militar argentina, de 1976 a 1983, e a justiça interveio obrigando-os a colaborar. A polícia entrou em casa dos dois irmãos para recolher roupa de ambos no final de Maio para que fosse entregue para análise. O resultado só será conhecido no final do mês, mas o caso dos dois irmãos tem a Argentina em suspenso: foram adoptados por Ernestina de Noble, de 84 anos, dona do jornal diário Clarín, mas persistem dúvidas quanto às suas origens. O caso arrasta- -se desde 2002.
Nesse ano, as suspeitas de irregularidades no processo de adopção de Marcela e Felipe levaram Ernestina de Noble a ser detida, por ordem do juiz Roberto Marquevich. Foi libertada após alegar problemas de saúde, mas a associação Avós da Praça de Maio, que reúne familiares de desaparecidos, mantém as dúvidas quanto às origens destas crianças, hoje jovens adultos, sobretudo de Marcela, e apresentou o caso aos tribunais, em conjunto com várias famílias.
Ernestina de Noble garante que a menina apareceu à porta da sua casa em Maio de 1976. Carlos Mi-randa, engenheiro mecânico, assegura, por outro lado, que se trata antes da sua sobrinha Matilde, filha da irmã, Amelia, e do cunhado, Roberto Lanuscu, militante do grupo cristão-nacionalista Montoneros. Não são os únicos a reclamar parentesco. A família Gualdero-García acredita que a jovem pode ser a sua neta. E outras 20 famílias que tinham filhas a ponto de dar à luz em da- tas próximas às do nascimento de Marcela e Felipe. Este, segundo Ernestina de Noble, foi-lhe entregue em Julho de 1976 pela respectiva mãe.
Recentemente um antigo director do La Razón, José Pirillo, declarou publicamente que Héctor Magnetto, presidente do conselho de administração do Clarín e marido de Ernestina de Noble, lhe teria pedido que deixasse de publicar relatos de bebés porque os seus filhos adoptivos tinham sido conseguidos através de uma antiga alta funcionária do regime do general Videla.
O caso Herrera de Noble tem dimensão nacional e contornos políticos, dada a relação tensa que mantêm a dona do Clarín e a Presidente argentina, Cristina Kirchner (o grupo editorial critica as opções da governante, esta terá promulgado uma lei que lhes retira os direitos de difusão de transmissões de futebol), o que levou Marcela e Felipe virem a público defender Ernestina de Noble, dizendo que estão a ser usados como arma de arremesso numa outra batalha, política.
A declaração, publicada em vários jornais e transmitida pela televisão em Abril, antes de o tribunal ter determinado a recolha obrigatória das amostras de ADN, os dois irmãos diziam-se perseguidos pelo Governo. "A nossa mãe é a directora do Clarín, mas, para nós foi, é e será sempre a nossa mamã. A pessoa que há 34 anos nos escolheu como filhos e que nos falou com verdade", afirmaram os dois irmãos, declarando-se "com medo, angustiados e perseguidos". Chegam mesmo a acusar a Admi-nistração de Cristina Kirchner de manipular juízes. "O Governo precisa politicamente que sejamos filhos de desaparecidos? E depois, que vão querer? Que a nossa mãe seja a apropriadora?"
As perguntas fo-ram respondidas logo a seguir pelo subsecretário dos Direitos Humanos, Luis Alén. "Causam-me tristeza estes jovens, porque as pressões de que são alvo impedem-nos de ver que não é uma questão política o que está em jogo. Trata-se do direito à verdade de toda uma sociedade e o direito à identidade, não só deles para saberem quem são verdadeiramente mas também das famílias a que pertencem biologicamente, que também querem saber o que aconteceu aos filhos dos seus filhos", afirmou o responsável, citado pelo La Nación. "Conhecer-se a sua verdadeira identidade não significa romper os laços com a senhora Ernestina Herrera, se os querem conservar", acrescentou.
Estela de Carlotto, líder da associação Avós da Praça de Maio (candidato ao Prémio Nobel da Paz), já tinha alertado para os perigos da tensão entre poder político e mediático, pese embora considerar que os atrasos na justiça se devem "a uma certa conivência entre po-der económico e mediático". Algo que foi alterado com a aprovação, em Novembro de 2009, da lei que permite à justiça requerer a recolha compulsiva de amostra de ADN em caso de suspeita e que sejam comparadas com todas as que existem no Banco de Dados Genéticos. O diploma prevê que a obtenção das provas seja feita "do modo menos lesivo e sem afectar o pudor". Precisamente o que os irmãos dizem que não aconteceu. "Tivemos de tirar a roupa diante de sete pessoas", disse Marcela para as câmaras do canal 13, um dia depois de as autoridades terem entrado na sua casa. "Fomos tratados como delinquentes", acrescentou Felipe.
Os argumentos entre as partes esgrimem-se tanto em tribunal como na praça pública. Os Herrera de Noble quiseram impugnar (e não conseguiram) o nome da juíza encarregada do caso, Sandra Arroyo Salgado, acusada de parcialidade por ter prestado declarações sobre o assunto antes de chegar à barra do tribunal. Do outro lado, Pablo Llonto, advogado da família Lanuscu (e antigo jornalisto do Clarín), afirma que houve manobras judiciais do anterior juiz, Conrado Bergesio, para que o caso fosse sendo adiado, à espera que Ernestina de Noble morresse e ninguém fosse julgado.
A empresária assumiu a liderança do Clarín em 1969, após a morte do marido, Roberto de Noble, fundador da publicação nos anos 50, sob protecção de Juan Domingo Perón. Nos anos 70 e 80, já com Ernestina ao comando, cresce e ultrapassa o maior concorrente, La Nación. Ampliou o seu raio de actividade a canais de televisão e rádios.



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