terça-feira, 29 de junho de 2010

ECOS DE GALÍCIA...



ECOS DE GALÍCIA...




Chegamos à Galícia, eu, minhas amigas Regina e Rosária, e sua filha Tatiana. Do Rio de Janeiro, descemos em Madri e logo pegamos a conexão de um vôo que durou menos de uma hora para Vigo. Ali, na cidade portuária, nos encantamos com sua organização, boa comida, gente educada e a carga histórica muito forte que paira nos seus ares. Zazá também ia em busca da ancestralidade, assim como eu. No segundo dia, logo, conseguimos visitar Orense e Verin ( lugares dos nossos pais, avós e bisavós), onde resgatamos um pouco da própria história de descendentes de imigrantes galegos, os mesmos que vieram fazer as Américas, tão bem descritos num livro memorável da escritora brasileira Nélida Piñon, República dos Sonhos.


Por alguns dias na Galícia, nós quatro nos identificamos com sua gente e seus costumes, adoramos ir a Santiago de Compostela, passar por Pontevedra, ouvir suas histórias, conviver com gente como o Ramon, por exemplo, galego típico, que nos atendeu com seus serviços de motorista e que se tornou grande amigo.
A escultura dos cavalos alados, no centro de Vigo, não me sai da lembrança, é como um símbolo do quanto um povo pode cavalgar, voar e navegar adelante, conquistando espaços nesse mundo de Deus.


Em 2008, depois de lançar meu livro onde narro parte da história da minha avó e do meu tio-avô , fui a Nova York, onde encontrei Jeanne Marie, neta do Tio Obidio. Somos netas de dois irmãos imigrantes, ela vive nos Estados Unidos, nasceu lá, é cidadã americana integrada ao seu país, com marido e filhos. Eu vivo aqui, sou cidadã brasileira inserida na cultura da minha terra, tenho um filho.

No dia em que nos encontramos, ela completava 44 anos, levou a família e passeamos juntos pelo Central Park, nos divertimos, fomos almoçar, trocamos presentes, sorrisos, abraços, nosso sangue se identificava. Nossos bisavós espanhóis, pais de Carmen e Obidio, ficaram na Galícia e nunca mais viram os filhos e sequer tiveram chance de conhecer seus netos, nove, ao todo, e muito menos souberam da existência dos bisnetos. Somos muitos espalhados pelo Brasil e pela América.


Antonio e Manuela ficaram sozinhos, no pequeno lugarejo, Rasela, onde fui, finalmente, em maio de 2009. Senti-me representante de todos os que estão por aí espalhados, os que nem sabem sobre suas vidas, como eu pude saber. Para embarcar, levei comigo um maço de cartas envelhecidas, amareladas e desbotadas, escritas a pena, pelo meu bisavô Antonio, todas endereçadas a Carmen, a filha que viveu no Brasil. As cartas datam de 1910 até 1935, são dezenas, e em todas, o amor é citado como o grande elo que uniu este homem aos seus descendentes. Também, cada escrito seu terminava com as saudações que ele transmitia enviadas pela esposa, a Manuela, que morreu num convento, isso eu soube, ao visitar o lugar, através de um senhor velhinho que os conheceu, sr. José Freiria.


Resolvi entrar no pequeno cemitério do lugar, não encontrei uma campa com seus nomes, mas rezei ali, em sua homenagem. Agradeci o quanto de amor à vida, eles legaram para nós todos, e nos fizeram ser o que somos hoje, pessoas que reproduzem sua luta, estejamos em Nova York ou no Rio de Janeiro.


Em determinado instante, não me contive, e na pequena capela do cemitério vazio, puxei os cordões da campana, toquei os sinos, minhas amigas ficaram apreensivas pois num lugar tão ermo, o som poderia assustar os moradores. O que ocorreu foi, na verdade, uma saudação aos meus ancestrais, que ficou gravada nos meus ouvidos, reverberando, festejando, nosso reencontro. Pude proclamar os ecos de uma descendente de Antonio e Manuela que voltou, pisou na terra que os acolheu e onde viveram, eu me senti assim, resgatando o amor deles pelas sementes que espalharam no mundo.


Saí daquele lugar com a alma apaziguada. Parecia que cumprira um papel a mim destinado. Saudei os cânticos da minha meninice, aqueles que a abuela Carmen cantava, oriundos da sua terra, passei no Jusgado, pedi a cópia da certidão de nascimento dela, que já me chegou, via correio.


Vou dar entrada no pedido de cidadania espanhola, em homenagem a eles, Antonio, Manuela, Obidio e Carmen, criaturas de bem, semeadores de amor, por quem dobram os sinos da capelinha em Rasela, e de cujas almas soam os ecos de Galícia que agora me emocionam e me impulsionam a seguir em frente.


Maria Aparecida Torneros

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