segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sampa, onde todos se encontram ( artigo publicado no jornal A TARDE e no livro A mulher necessária), 2008

Quando o táxi passou diante da Igreja da Consolação, ícone da tradição paulistana, devo ter rezado duas frases bem rapidamente, tipo: Senhora, console os aflitos ou Senhor, tende piedade das cidades grandes. Voltei a Sampa depois de um ano, coisa que me incomoda, pois adoro o cheiro da megalópole que me liga como cordão umbilical ao Brasil que fabrica freneticamente o futuro, que corre dia e noite, que produz como nunca no mundo moderno para nos elevar ao patamar dos incluídos no rol dos países do primeiro mundo.



Mas quero falar é sobre consolação. Encontrei o cantor Jerry Adriani, hospedado no mesmo hotel onde fico há mais de 20 anos, que logo tirou uma foto comigo e minha amiga Deisemar. Foram dois dias corridos, a cidade tem a propriedade de esticar as horas, pulsando 24 horas. Almocei no Gigetto com amigo sindicalista, discutindo as diferenças do petismo e do lulismo. Descobri que Sampa ainda me ama, pois me ofereceu um sol maravilhoso, como um presente, um céu limpo e a marca do início do outono.


Na despedida do cantor, o Jerry, este começou a chorar, desculpando-se e dizendo que sua mãezinha está muito doente. Gesto imediato, o abracei.



No mesmo instante, me veio à cabeça a Senhora da Consolação, falei palavras de carinho ao artista que aprecio, especialmente, quando ouço sua interpretação da canção italiana Se piangi, se ridi, como prenúncio dos movimentos da vida.

Seu choro, dizendo baixinho "mamãe está doente", comoveu-me como se fosse um irmão querido e pude expressar a sintonia que a dor humana nos faz acessar em freqüência constante.



Esta é a São Paulo que eu admiro. Onde todos se encontram ou nos hotéis ou nas cantinas do Bexiga. Onde se comemora o aniversário do Zé Dirceu, no Avenida Club, com mais de duas mil pessoas na madrugada de uma segunda-feira, onde a Parada Gay vira evento latino-americano e a pizza é uma instituição nacional. Meu amigo Horácio, português-angolano gerente do hotel, sempre arranja um tempinho para tomar comigo o café da manhã, para repassarmos a amizade antiga.

Hora de retornar ao Rio, ligo antes para a Lenise, cujo filhinho Davi está aprendendo a andar, mas ainda não foi desta vez que pude conhecê-lo, tal a correria de todos nós. Prometo voltar, num fim de semana, talvez com mais tempo, que vira moeda valiosa nessa cidade do espanto.

Se há dores, se cai a obra do metrô, se há tragédias, há a superação do mote principal. Há a consolação da Senhora que protege os aflitos, que toma conta das amizades que o rincão-berço dos bandeirantes vai ampliando. Quando o maître do restaurante me disse que era baiano, parecia revelar que todo brasileiro é tão baiano quanto pode ser paulista. Atrevo-me a imaginar que a mistura de sotaques é a força da terra da garoa; a italianada, a japonesada, a cariocada, a mineirada e a baianada, e todo o resto do Brasil, se encontram mesmo em São Paulo é para se consolarem; agora, tenho certeza e me pergunto: como eu não tinha pensado nisso antes?

 Aparecida Torneros

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