aqui tem música, poesia, reflexões, homenagens, lembranças, imagens, saudades, paixões, palavras,muitas palavras, e entre elas, tem cada um de vocês, junto comigo... Cida Torneros
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
HOMENAGEM AO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
QUANDO ERA MENINA, APRENDI A CONVIVER COM MUITOS SORRISOS NEGROS, NA ESCOLA PÚBLICA ONDE ESTUDEI. OBSERVAVA AS FILEIRAS BRANQUINHAS DE DENTES PERFEITOS AO MESMO TEMPO QUE ADMIRAVA SEU JEITO ESPECIAL DE LUTAR PELA VIDA, BUSCAR UM LUGAR AO SOL EM TERRA DE GENTE BRANCA, ONDE A HISTÓRIA LHES TINHA LEGADO MARCAS PELA ESCRAVIDÃO E PELAS INJUSTIÇAS.
AO LONGO DA VIDA FUI INCORPORANDO AMIGOS E AMIGAS, DE PELE NEGRA, E ISSO FOI SE DILUINDO, NO TEMPO, PORQUE, PARA MIM, SÃO PARTE IGUAL DO MEU ROL DE PESSOAS DE CONVÍVIO. A PELE NÃO ESPECIFICA O CARÁTER, E O MAIS IMPORTANTE ESTÁ NO CONTEÚDO DOS SERES, ENQUANTO PESSOAS CAPAZES DE EXERCEREM CIDADANIA E AMIZADE, COM DIGNIDADE.
EVA, COMPANHEIRA DE ESCOLA NORMAL, É A FIGURA MAIS CARISMÁTICA DE ALGUÉM , NA MINHA HISTÓRIA PESSOAL, NOS ANOS 60, COM AQUELA GARGALHADA SONORA E BRANCA, DESTACANDO-SE NO NOSSO GRUPO DE ESTUDANTES, COM SEU BOM ASTRAL E SUA POSTURA DE PROFESSORA CONSCIENTE.
NA UNIVERSIDADE, TIVE UMA AMIGA MARAVILHOSA, A MARIA LUCIA, QUE SE ENGAJOU NA LUTA ARMADA CONTRA A DITADURA, E QUE MORREU NO INÍCIO DOS ANOS 70. ERA UMA TÍPICA NEGRA MESTIÇA BRASILEIRA, MUITO BONITA, MUITO IDEALISTA E NOS TORNAMOS CONFIDENTES NUM TEMPO EM QUE AS PAREDES TINHAM OUVIDOS. POR ISSO, CONVERSÁVAMOS SENTADAS NA AREIA DA PRAIA, À NOITE, EM ICARAÍ, NA SAÍDA DA FACULDADE, BEM LONGE DO BURBURINHO, E ALI, NOS DESPEDIMOS, QUANDO ELA ESTAVA PRESTES A SER PRESA, HUMILHADA E TORTURADA, NA DEPENDÊNCIAS DO DOI-CODI, DO EXÉRCITO BRASILEIRO, QUE IRONICAMENTE SE SITUAVA NA RUA ONDE EU MORAVA COM MEUS PAIS E IRMÃOS, A BARÃO DE MESQUITA, NO RIO DE JANEIRO.
UM DIA, INCONFORMADA COM O MISTÉRIO DA PRISÃO DA AMIGA, ADENTREI NO TAL QUARTEL MILITAR E FUI AO AJUDANTE DE ORDENS DO COMANDANTE. DISSE QUE QUERIA VISITAR MINHA AMIGA. DEPOIS DE MUITOS ARGUMENTOS, FOI MARCADA UMA DATA E EU, CORAJOSA, SEM TEMER NADA, COM UMA FORÇA QUE NEM SABIA DISPOR, NA ÉPOCA, AOS 20 ANOS, FUI VER A QUERIDA COMPANHEIRA, QUE ME VEIO FRACA, DESFIGURADA, FAZENDO SINAIS E MOSTRANDO OS BICOS DOS SEIOS, TENTANDO ME DIZER QUE A FERIRAM ALI, COM ALICATE...
CHORAMOS JUNTAS, EU LEMBRO QUE O SILÊNCIO QUE NOS UNIU NAQUELE INSTANTE, FALOU MAIS DO QUE MIL PALAVRAS. EU, IMPOTENTE, SÓ PUDE PENSAR NA INJUSTIÇA TRIPLA. DE ORIGEM NEGRA, SALVA DA HERANÇA DA ESCRAVIDÃO PELA LEI DO VENTRE LIVRE, E PELA LEI ÁUREA, MARIA LUCIA, NA VERDADE ESTAVA ALI, PRESA, ESCRAVA DOS IDEAIS E PRISIONEIRA DA DITADURA, MAS ERA MULHER, E, POR ISSO, A TORTURA A ATINGIRA NO PEITO QUE AMAMENTA, NO COLO QUE PROTEGE.
EM 1988, TIVE A HONRA DE PARTICIPAR DE UMA PUBLICAÇÃO, DA GAZETA DE NOTÍCIAS, DO RIO, COMEMORATIVA DOS 100 ANOS DA LEI DE LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS NO BRASIL, COUBE A MIM ESCREVER SOBRE O JORNALISTA JOSÉ DO PATROCÍNIO, FIGURA EXPONENCIAL DA LUTA EM PROL DA ASSINATURA DA LEI ÁUREA. APRENDI QUE A CAMPANHA PELA LIBERDADE NÃO É PROPRIEDADE DE UMA RAÇA, MAS SIM, É QUESTÃO HUMANITÁRIA PRIMORDIAL PARA TODOS NÓS.
A CONSCIÊNCIA NEGRA É NECESSIDADE CONSTANTE, MAS É MAIS QUE ISSO, É PARTICIPAÇÃO EM LUTAS DE TODOS, BRANCOS, NEGROS, ÍNDIOS, IMIGRANTES, NUM MUNDO DISCRIMINATÓRIO E DESIGUAL, AO EXTREMO. NÃO É PRIVILÉGIO DO BRASIL ESSE ESTADO DE COISAS. É, INFELIZMENTE, UM LADO PODRE DA INCONSCIÊNCIA HUMANA.
VIVA A PELE MORENA, A PELE NEGRA, O SORRISO BRANCO, O OLHAR DE ESPERANÇA E A CANÇÃO QUE SAI DA BOCA DE QUEM AMA SEU SEMELHANTE!
CIDA TORNEROS
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