sexta-feira, 20 de novembro de 2009

HAVIA UMA MESA BRANCA


 Havia uma mesa branca






Havia uma mesa branca. Um cinzeiro com algumas pontas de cigarros apagados sob a ansiedade da escritora. Ela revia seu dia. Procurava encaixar-se nalguma nova história, menos densa, mais leve e diáfana. Era difícil, porque o sentimento que a banhava agora era o da perplexidade. Talvez nem precisasse tanto questionar-se sobre a vida. Talvez fosse mais prudente e produtivo, religar-se no próprio umbigo, buscando alguma paz interior ainda possível de ser reencontrada. Da solidão, já nem queria importar-se tanto, ou, como efeito dos últimos abalos emocionais, sob o bater tão forte das tensões dos dias recentes, o que lhe conviria a partir deste fim de tarde, não passasse de pequenos mimos pessoais. Bastariam alguns minutos debaixo do chuveiro, um sabonete com odor de ervas doces, a espuma branca rolando na pele de um corpo fatigado. A poesia estava de portas fechadas em sua mente. Ou melhor explicando, em sua alma. Onde buscar poesia na altura de uma encruzilhada em que qualquer amor pudesse parecer verdadeiro, mesmo que nem fosse nada.


Havia uma mesa branca. Sobre ela, além do cinzeiro, uma jarra com flores vermelhas, e a lembrança de algum livro que lera há decadas, um livro que lhe ensinara sobre os corações partidos. Agora sim, era possível entender o teor daquelas páginas amareladas, tão impressionantemente sustentadas em paixões desfeitas ao longo de tempos em vidas que se separavam. O título, " a separação dos amantes", lhe sugerira um romance. Mas não era. Tinha lido, com grande interesse, um livro de psicanálise, escrito por um especialista italiano, que falava sobre a morte dos amores, sobre divórcios, traições, abandonos.


Havia uma mesa branca. Sobre ela, a escritora, pairavam as tormentas incessantes da mente que se conturba com o sentido do tempo que fez o tal amor sucumbir e ir-se embora. O amor passou, ela concluiu, passou pela mesa branca, pela sua saudade, por cada dia e noite em que se sentiu impotente diante de cada palavra não encontrada com o objetivo de explicar o porquê dos fins.


Havia uma mesa branca, quatro cadeiras, distantes na memória estavam os jantares em família, apagaram-se os gostos e os restos de comidas e bebidas, silenciaram-se as conversas envolventes de jovens criaturas em volta daquela mesa antiga.


A escritora respirou fundo. Precisava mesmo esquecer de vez aquela mesa. Era redonda, iluminada por um quebra-luz alaranjado. O tempo tinha levado para algum lugar distante o motivo pelo qual a mesa branca fora comprada. Um casalzinho apaixonado adquiriu a mesa e as quatro cadeiras como primeira peça do mobiliário para sua futura casa. O casamento durou mais de vinte anos e a mesa acompanhou seus altos e baixos. Um dia, com a união desfeita, a mesa foi dada de presente para alguém. E viajou.


Havia uma mesa branca que viajou para bem longe. O quadro desenhado na lembrança é somente o delírio da escritora, que reconstitui como uma pintora a imagem que se desfez para sempre.


Aparecida Torneros

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