terça-feira, 5 de maio de 2009

"Tínhamos medo da sombra" ( meu depoimento no site do Zé Dirceu)




01/04/2008 16:36
Depoimento de Aparecida Torneros

Por Cida Torneros
"Tínhamos medo da sombra"


"Eu tinha meus 17 anos. Estava no Colégio Pedro II, no centro do Rio, quando começou o alvoroço. As aulas paralizaram e fomos todos em direção ao Calabouço. Indignação e protesto. O corpo do Edson Luís sendo carregado pelos estudantes em fúria em consequência de um momento triste da história do Brasil.

Eram os anos de chumbo. Tínhamos medo da sombra. Havia perseguição por toda a parte e nos protegíamos dos dedos-duros, figuras estranhas, estudantes fictícios infiltrados para espionar nossas atividades. Lembro bem do quanto nos assustavam os militares. E lembro muito mais de como éramos uma juventude sedenta de justiça e de construir um país melhor, justo, organizado e alfabetizado.

O Edson foi um mártir que virou símbolo. Depois dele, muitos outros vieram. Os que têm seus nomes nos livros da nossa história contada por quem sobreviveu, se exilou e voltou. Há, também, os que se foram no anonimato, ou se perderam com suas mentes embaralhadas, se exilaram dentro de si mesmos, na loucura que é não reencontrar-se como ser humano digno de ser respeitado por poderes alienantes, governos castradores, esquemas capitalistas cuja selvageria viria a fabricar novas gerações de brasileiros consumistas, ou de seres automatizados pelo modelo propagandista de um mundo egoisticamente depredador do planeta.

Sua emoção é minha e de toda uma geração. Infelizmente, não concordo com você, no todo, mas em parte. Há um Brasil renascido, em termos. Não posso considerar que o tal Brasil que você julga democrático e livre seja um fato real na sua totalidade. Penso que há um povo ainda vivendo muito aquém da lucidez sonhada por nós, naqueles tempos.

Houve mudanças, sim. Mas ainda são muito pequenas, um arremedo de um caminho longo a ser percorrido. Serão arremedo enquanto houver tanta disparidade social, tanta violência, tanta epidemia sem controle, tanta ignorância de conteúdo científico por parte da maioria da população, tanta doença provocada por vírus ou bactérias produzidos pelas más condições de vida das comunidades, e ainda,um contigente imenso de jovens fora do mercado moderno de trabalho por falta de base escolar para exercer cargos técnicos que exigem aperfeiçoamento e bom nível cultural.

Somos mesmo um país de muitos Edsons que sonham em vir para as capitais e tentar ser alguém na vida. Não é dado, por enquanto, por mais que os números impressionem, o caminho das pedras seguro para a maioria dos meninos e meninas que habitam os longínquos rincões do território nacional, para que se fixem em suas localidades e ali se sintam recompensados, não só em alimentação e saúde, mas em estudos, tecnologia, segurança e esperança de futuro concretamente promissor.

De qualquer modo, o Brasil caminha e é múltiplo. Somos muitos Brasis com diferenças estapafúrdias, elites vivendo sonhos das arábias e a massa que se contenta com programas importantes mas que não chegam a representar nem um décimo de tudo o que nossa geração imaginou para este Brasilzão.

De qualquer modo, estamos seguindo em frente, e sua nota expressa, com sinceridade, o testemunho de um brasileiro consciente. De um personagem que viveu, como eu, aquela época, e que está vivo para reavaliar todos os dias, avanços e retrocessos, conquistas e dificuldades. Sem no entanto esmorecer. Permanecendo em guarda, na luta, no embate, na briga boa que é trabalhar por uma nação não só mais justa, como também, mais brasileira e consciente do seu papel no universo dos países emergentes".

Aparecida Torneros é jornalista e trabalha na Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (EMOP).

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