segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Aperto de mão


Aperto de mão
Maria Aparecida Torneros da Silva



Aperto de mão

duas mãos se encontram
palmas se entrelaçam
cumprimentam-se
cumprem ritual social
o calor as aquece
mutuamente
as pessoas se caçam
como animais se buscam
duas mãos se tocam
se apertam
calorosamente
não precisam de palavras
os dedos falam por si
magia das falanges
olhares complementam
amores se inventam
mas se sentem,
repentinamente
qualquer novo sentimento
sabem que mentem
e não há porquê
logo se vê
em torno da saudação
tão simples e corriqueira
um arrepio sem eira nem beira
um despertar ao acaso
uma pálida ilusão
ou o anteparo da razão
para refrear os sentidos
deixar no ar a sensação
de irreverente passagem
do tempo, da emoção...
são apenas duas mãos
mão e contramão
que se encontram
e se agarram
uma na outra
a salvação
o acordo sem acordo
o sentimento sem sentido
a sedução sem maquiagem
o efêmero instante
que repentinamente
pára o tempo, a bagagem
de cada um, na troca,
de mãos que se agradam
respeitosamente
se conhecem
reciprocamente
se reconhecem
atraídas pelo gesto educado
as duas mãos se encaixam
uma na outra, e se esquecem
de esquecer a quentura
que uma levou da outra
que outra deixou em uma
que ambas impregnaram
as peles de quem as uniu
os suores de quem as encostou
roçou, embora não fosse carinho
fosse apenas um aceno
sem nada de obceno
apenas um gesto gentil
humano, comum e factual...
mas, as duas mãos , coitadinhas,
conservam nos poros inquieto ardil
da natureza intrigante e expertalhona
ainda são as mãos dadas ou emprestadas
para o encontro primeiro de uma série
que as fará reviver gostoso enlace...
duas mãos se enroscam na lembrança
nada demais, em meio a tantos fatos,
apenas um cumprimento e a esperança
de estarem novamente, face a face,
ou melhor, frente a frente,
ou talvez, uma dentro da outra,
apertadas, acariciadas, entrelaçadas...

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