domingo, 30 de novembro de 2008

neste Natal, a quem interessar possa...


Neste Natal, a quem interessar possa... ( texto de 2005)

A coisa funciona quase sempre assim. A gente corre e trabalha o ano inteiro, planeja uma série de atitudes, estabelece metas, decide que é momento de algumas mudanças, vai vivendo, driblando os percalços nos meses que se sucedem como num torvelinho.

Aí, um dia, provavelmente numa manhã em que a luz adentra pela janela na casa que se faz fervente, a criatura acorda se sentindo " caminhando contra o vento, no sol de quase dezembro".

Bem, não há como voltar atrás, o que passou, se foi, e o tal dezembro chegou de novo, com sua climatização, seus calores, que no Brasil, fazem do Natal aquele período de verão quentíssimo, de ruas entupidas, de gente se trombando pelos shoppings, de aeroportos e rodoviárias adensados de reencontros, de estradas cheias de esperança por momentos felizes. Não importa o quanto a política e a economia tenham afetado nossas emoções ou os nossos bolsos, agora é Natal e vamos é comemorar. Tem o show especial do Roberto na televisão, tem a árvore de Natal da Lagoa Rodrigo de Freitas, dá para encarar uma ceia novamente na casa da mamãe, ou da vovó, ou da namorada recente, quem sabe aquele gato escaldado que tem medo de casamento chegue enfeitiçado de espírito natalino e finalmente faça o sonhado pedido para juntar os trapinhos?

Meu dezembro , como o de vocês, tem mesmo essa aura de necessidade de amar e ser amado. Fico precisando dar o abraço naquele amigo que não vejo há muito tempo, me cobro a visita ao asilo dos velhinhos que tanto adiei, sou tomada de uma impiedosa culpa cristã pelas promessas que não cumpri, e o que é pior, me permito comer as gulodices mais díspares, misturadas e sem a menor parcimônia, em nome da confraternização das boas festas.

Nas luzes que piscam pelas avenidas, tento vislumbrar os amores do passado que me deixaram ainda algum brilho na alma, no afã de perdoar qualquer resquício de mágoa das separações e das traições, herança acumulada ano após ano, no decurso de prazo, no acúmulo de experiências afetivas.

Percebo que há mais sorrisos sendo distribuídos pelas calçadas, enquanto as tulipas de chope gelado são viradas a cada segundo contra bocas sedentas de frescor. Também é possivel identificar que há na febre consumista em torno dessa data um frenesi tresloucado de superação personalista. Todos querem ser queridos, presenteados, paparicados, lembrados, abraçados, beijados, numa proporção potencialmente acima das possibilidades rotineiras.

Mas, neste Natal, a quem interessar possa, nada será tão importante, para mim, do que me recolher com meus pensamentos, na solidão do ato reflexivo, na sala vazia.

Devo pensar sobre o quanto há para fazer além do circuito do meu umbigo, o mesmo que me liga a um ego que tento domar, ao qual me sinto ainda muito presa, com a consciência crescente de que preciso insistir em projetos mais ligados ao meu próximo, ao Brasilzão que implora por nova ordem social, ao meio ambiente e à felicidade compartilhada com meus vizinhos.

Com certeza, desse jeito, terei um Feliz Natal.

Aparecida Torneros
Jornalista-RJ

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