sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Marta Suplicy em dois tempos





Marta Suplicy em dois tempos ( artigo publicado no livro "A Mulher Necessária")

* Aparecida Torneros


Lembro bem dela, lindinha, jovem, num show matutino dirigido à mulher dos anos passados, que se modernizava e ganhava espaço na televisão, num seriado que se colocava na vanguarda do feminino. Era o tempo da Gabi, no bom dia para a nova mulherada que ia à luta por seus direitos e mudava suas atitudes num frenético ritmo de ultrapassar o tempo perdido.A performance do programa trazia então a mulher que falava de sexo para outras mulheres que falavam de filhos. Mulher que dizia do direito de buscar o prazer que todas as senhoras teriam, apesar de se sentirem transgredindo suas histórias de repressão e pecado. Dali, a terapeuta sexual fez seu trampolim para uma vida política, como toda e qualquer vida de homem ou mulher que se embrenha pelo labirinto da exposição pública, o enfrenta com altos e baixos, passa pelo crivo assustador da aprovação e desaprovação constantes, vira personagem de novela quase real, cujo enredo oscila do sátiro ao grotesco.
Ela, Marta Suplicy, ministra do Turismo, que já foi deputada e prefeita da maior cidade do País, parece ser mesmo desprendida e pioneira, e, como tal, talvez nem tenha sequer medido as conseqüências do seu comentário até certo ponto tão comum no imaginário popular, mas de intensa infelicidade na boca de uma senhora que comanda justamente as nuances da indústria turística nacional.
Estamos nos tempos em que as mulheres falam o que pensam e fazem o que falam. Todas (permitam-me os homens que fale do meu gênero) sabemos o preço que pagamos por expor nossa sede prazerosa de viver com dignidade. Se há um efeito estufa no caminho que nos leva ao exercício da feminilidade plena, também o há, não tenhamos dúvida, no tratamento diferenciado que as palavras assumem em bocas pintadas de batom, ou em lábios que se movimentam sobre nós de pescoços engravatados, de homens que assumem ou escondem vidas conjugais duplas ou prevaricam na corrupção cultural tentando escapar dos “grampos” telefônicos sorrateiros.
A ministra falou sem grampear seu impulso e errou na medida da maquiagem no seu discurso.
Devia ter sido mais afoita, num mundo tão masculino, onde “relaxar e gozar” ainda parece privilégio de quem domina mercados. Ela se equivocou, ao considerar que todo o estresse dos viajantes com seus compromissos em rebuliço pelos atrasos e cancelamento de vôos, fosse passível de ser minimizado freudianamente.
Entretanto, não há como esquecer que ela é pioneira da fala clara sobre os problemas ocultos de grande parte do público feminino, que, no fundo, riu das caras e bocas que os homens fizeram ao ouvir uma mulher se apropriar, talvez indevidamente ainda, da expressão que lhes parecia propriedade absoluta. Depois do seu pedido formal de desculpas, perguntei-me, em surdina, quem terá desculpado primeiro, e quem carregará para o questionamento do inconsciente a eterna dúvida sobre o direito de soltar-se das tensões e atingir o prazer dos múltiplos desejos cultivados em sonhos e esperanças de felicidade.

( este artigo foi publicado originalmente no jornal A Tarde, da Bahia, em 2007)
* Aparecida Torneros é jornalista e reside no Rio de Janeiro

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